Mulher – um poema de Lívia Bertges
Mulher apresenta uma série de imagens que compõem, pouco a pouco, a metáfora de uma pele animal de nuances tangíveis. Os pedaços com recortes em cacos semicirculares esboçam cores e tons, reforçando as múltiplas vias de percepção corporal a partir do sopro das palavras. Afinal, qual pele vestimos? – Pele de girafa. O poema foi publicado na Revista Entrelaces (UFC), dossiê “Gênero e Literatura: da autoridade do cânone literário às potências narrativas”, v.1, n.14 (2018), p. 334.
Crédito de imagem: Lassaâd Metoui
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Mulher
Visto pele.
Pele de girafa,
tem tonalidade terra,
vermelho acaju, marrom barro, bege ocre.
São padrões disformes em semicírculos,
de motivo em cacos.
Cacos mosaicos,
cacos quebra-cabeça,
cacos vitrais,
de cores reduzidas a tons.
Em cacos, tece-se nova manhã,
como extinção de uma espécie.
Seja qual for, rosada ou fulvo,
a pele de girafa
embrenhada
não leva 450 dias de gestação,
dorme multiplicadas as duas horas em quatro
e assiste a vida em sons.
O manto que a aquece no Saara das ideias,
compõe-se de matiz branca,
borda cacos,
fura o tecido do indizível
no osso frontal.
Busca alimento e
encontra em árvores línguas,
nuance em palavras,
cada uma aferida em centímetros
no balanço do arranjo vertebral.