Um conto de Larissa Campos
Larissa Campos nasceu em Manaus (AM) e tem Cuiabá como cidade do coração. Reside na capital mato-grossense, onde estudou Jornalismo e Direito. É apaixonada por livros, por pessoas e não abre mão do violão.
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Não procure gratidão no dicionário
Do outro lado da linha, alguém se despediu entre suspiros. “Gratidão”, foi a palavra final. Era o tipo de palavra que Analice não gostava de dizer. “Acho que banalizaram”, pensava. Mas não podia impedir que lhe dissessem “gratidão”, como lhe disseram naquela tarde quente.
Não entendia essa necessidade humana de definir, de expressar o inexplicável. E embora exista uma palavra para nomear até mesmo o amor, ela sempre soube que ele jamais caberia naquelas quatro letras. O mesmo vale para a saudade, para a gratidão. O que é de sentimento é feito para se sentir.
Naquela tarde, João ligou para expressar uma gratidão que não existia. Disso ela estava certa. Como alguém poderia ser grato por tamanho desprezo? Ela o desprezava e demonstrava isso sem receio de ferir. Por mais que ele se esforçasse, suas palavras de gratidão não encontravam terreno fértil dentro dela.
O que João dizia entrava pelos ouvidos de Analice, circulava pelo corpo todo, mas não parava em nenhum lugar. Era como se nada daquilo fizesse sentido. Da mesma forma que entravam, as palavras saíam dela, num expulsar sem fim.
Ela não poderia acolher aquelas palavras de agradecimento. Seria redobrar a culpa, carregar um fardo de toneladas, pesado demais. Ao agradecê-la pelos erros que ela mesma cometera, ele apertava um espinho dolorido contra o peito de Analice. Aceitar aquela gratidão seria aceitar um peito cravejado de espinhos e dor. Ela não resistiria por muito tempo.
Expulsar as palavras dele não era covardia. Era sobrevivência diante de uma gratidão inaceitável.