Três poemas de Nina Zur
Nina Zur é carioca, mestranda em teoria do direito, ética e construção da subjetividade (Puc Rio) e autora do livro A chance do corte (Editora Cozinha Experimental, 2018).
***
um ruído
que não manifesta
é o manifesto
mesmo
um ruído de fundo
um ruído que me encerra
e à tarde morro com prazer
eu sei
agora sou uma sobrevivente
da minha própria morte
e cravo em mim uma bandeira
terras ocupadas
até que me canse disso,
uma mulher sem rosto
apenas gesto
apenas urro
apenas coice
e cólicas a cada mês
.
tento caminhar por essas ruas
e só ando em círculos
mas tenho o conforto
da ausência total de fé
e amanhã
de jeito cético
levantarei com novas broncas.
*
alguém perguntou
não há fuga?
achei que respondia
é no desejo que ela se manifesta
deixei suspensa a pergunta
porque não havia
como nomear a resposta
mas sentia ter restado algo
como uma forma de escolher as verduras
uma raiva emputecida e breve do Brasil
um copo americano com dois dedos de cerveja
uma mensagem às 2h36 da madrugada que resolvi não apagar
essas coisas não se deve apagar
dá azar
.
escolho os piores momentos pra ter crises de riso
e ainda assim não me olham
algo me acontece
às vezes me sinto um dragão
(sem a parte do fogo)
quando acordo com a garganta seca é de desejo que falo,
e reclamo do ar condicionado
com algum grau de satisfação
*
não basta a chuva
não basta santa teresa
ou os domingos, corpos que se escondem
trêmulos
sob a falta de luz
não havia presença
ou fome
quando escuro não há nada além do escuro
e nossos olhos fechados
até que eu disse
metade da nina vai bem, obrigada
a outra metade comedida
e você riu
sabendo que eu mentia
que provavelmente volta e meia mentirei
isso acontece quando somos estranhos
e o estranhamento
é altamente anti comedido
.
saudar demônios é o que fazemos
é o que temos feito
sobrevivemos, então
somos nosso próprio fim sem fim
nosso próprio purgatório
e fingimos que a vida é mais que isso
entornando garrafas
pedindo que esse ano alguém nos salve
à porta dos bares
mesmo que tarde
mesmo que tarde demais
como um filme de tantos apocalipses,
a esperança e um tombo
antes dos créditos
.
produzir o apocalipse, dançar com satã no meio dele
só assim podemos chegar em casa
brincar com os gatos
ter sono
ontem o vento arrancou árvores e ninguém pensou em suicídio
tivemos inclusive mais tesão
e você riu dos meus mamilos
sabendo o que eu dizia