Nove poemas de Luana Claro
Luana Claro é graduanda do curso de Letras na Universidade de São Paulo e autora do livro de poemas e ilustrações Diadorim, publicado pela Editora Patuá em 2017.
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o homem dilacerado caminha
a passos sofridos estende
o jornal e não lê, chora
tremelica suplica
não sou filho não sou pai
só quero morrer já fiz de tudo
todas essas palavras são inúteis
à noite o homem dilacerado sonha
com suas mãos encolhidas
que ainda vive e com rostos
que não são o de minha irmã
*
de repente ele começou a falar uma língua estranha. ninguém
podia compreender que diabos. uns sons frágeis e pequenos e sem forma,
*
certo dia ele sumiu. por onde saiu, não se viu. pudera: estava tão pequeno
que mal podia enxergá-lo,
*
é difícil acreditar, mas acho que ele voltou. diferente,
ele não é mais o homem de antes. agora ele cabe dentro
de uma gaiola, continua a emitir os sons frágeis,
*
pardal-de-java
pássaro-do-arroz
olhos familiares
*
convencionou-se abolir as gaiolas
concordou-se que eram demasiado
desumanas
assim estabeleceu-se a rotina do homem
fitar o ambiente com estranheza
emitir eventualmente seus piados
mais comunicar-se com os olhos
de cabeça de alfinete do que com a língua
da qual gradualmente tornou-se um estrangeiro
*
o que importa, entretanto, é em qual língua ele sonha,
*
num raiar de agosto notou-se constatou-se
o desaparecimento total do homem
acredita-se que ele pode ter continuado
a diminuir até o fim
acredita-se, especialmente, que ele voou
para o mar do qual nutria imensa saudade
acredita-se
acredita-se
*
e despeja teu canto genuíno
como se o último fosse
uma vez que não se sabe
toda palavra é por sua vez
ela mesma última