Nove poemas e um vídeo-poema de Luciano Lanzillotti
Luciano Lanzillotti. Nasceu no Rio de Janeiro em 1975. Licenciado em Letras (UNISUAM), Mestre e Doutor em Literatura Brasileira pela UFRJ, com pesquisas orientadas por Eucanaã Ferraz e Dau Bastos sobre as poéticas de Manuel Bandeira e Ruy Espinheira Filho. Fez parte de antologias especializadas em literatura contemporânea em mídias impressas e digitais. Edita o blog Orelha de Papel.
***
Cidade
É como um útero cinza que habito:
ar, água, vias de sangue
circulam entre mim e sonhos.
Ruas se entrecruzam
com alguma surpresa:
trompas.
Na esquina, pode estar
qualquer forma de claustro, desespero,
antes mesmo do fim:
ovário.
A indiferença se disfarça de beleza, proximidade:
religiões, bares, barracas
de comida urbana disputam convivas.
O tempo não nos absolve
dessa correria encardida.
Dias nos fazem deixar um pouco do que somos
para trás:
placenta em lixo hospitalar.
*
Sós
Olhar perdido
dizendo:
a vida é assim mesmo.
Entre vazamento de tubulação na via,
lixo incendiado na calçada,
calor, som de carro
no lava a jato,
me explica o menino,
de talvez
dez anos.
*
Primeiro poema para Helena
O tempo não mente.
Ele persiste
nas rosas,
no sol,
no canto dos pássaros.
Ele insiste:
como pode ser,
se já foi?
Como pode ter sido,
se ainda é?
Como será,
se nunca deixou de ser?
Nossa foto
nada entende
sobre o relógio
e sua passagem.
A biologia
e sua deterioração.
O amor
e sua eternidade.
*
Rosto
De espelho em mãos,
observa cada detalhe.
Traços esquecidos e ainda vindouros
carregam igual geometria:
bolsa sob os olhos,
pêlos ressaltados,
boca diminuta.
Segmentos de aurora e ébano
se igualam:
tantas faces habitam um rosto.
*
Relicário
Animado com a nova compra,
abre a caixa branca,
geométrica,
como relicário:
retira plástico, papel, película
que recobre o produto, manual,
tomada, fone e tela de vidro.
Ligado em 127 volts, é o primeiro
olá que recebe hoje.
*
Verso 41
Se das janelas nada diviso;
se das portas nenhum caminho se apresenta;
se do céu não vem chuva,
salvação, sequer efêmera resposta.
Como seguir, senão pela escrita?
*
Tecido mole
Por que será mais fácil adentrar
as profundezas da terra e do mar
do que se achegar ao outro?
São muitas as camadas
que compõem um corpo,
armadura complexa e feita
de um tecido mole, mas,
quase impenetrável.
*
39
Ser como alguma coisa
que é massa,
rio
e tempo.
*
43
Se o vazio já nos é claro
e pressentido.
Se a cada respiração
oxidamos em pele
e vontade.
Qual a percepção
de um fruto
jamais repartido?
*
Álgebra (Voz e edição do poeta Angel Cabeza)
Jose manuel barroso
Que bonita poesia, poesiA mesmo!
Juncao boa com a vida.