O gozo, a saliva e a criação – Por Michel Yakini
“Exu faz o erro virar acerto e o acerto virar erro”
Ditado Yorubá
A astrologia anunciou 2020 como o ano regido pelo sol. Hora de luz máxima pra deixar tudo exposto. E apesar de revelar muitos desacertos, este tempo também vem me mostrando as várias facetas da criatividade.
Até algum tempo era comum ouvir das pessoas que a criatividade é coisa de gente especial, se pá de artistas, pessoas iluminadas e cheias de dons, ou que pra ser um criador é necessário fazer escola de artes ou coisa do tipo, mas parece que pouco a pouco esta sombra vem mudando de lugar.
Todo ser humano é um ser de linguagem e naturalmente criativo. Essa é uma lei universal. Julia Cameron, autora do livro “O caminho do artista”, diz: “Assim como o sangue é parte do nosso corpo físico, e não algo que devemos inventar, a criatividade é parte de nós e todos podemos explorar as energias criativas maiores do Universo“.
Por isso, quando me saboto ou saboto a criatividade de alguém eu me desumanizo ou faço o mesmo com a outra criatura. Aliás, essa é uma premissa básica: Somos naturalmente criativos, porque somos frutos de uma criação, seja univérsica, divina ou simplesmente do sexo dos nossos pais.
A fertilidade, geradora da criatividade, é presente no arquétipo do orixá Exu, o mensageiro, guardador da porteira. Exu rege a fertilidade por meio do falo, a comunicação por meio da palavra e todas as possibilidades através da encruzilhada, lugar dos sete caminhos e do octógano. Unindo o gozo, a saliva e o infinito na manifestação da força criativa presente em cada ser.
A palavra ser, representa a relação com o macrocosmo, a criação, o infinito, o estado da alma, a verticalidade. Assim como a palavra humano representa a relação com o microcosmo, a matéria, o finito, o estado do corpo, a horizontalidade. Pra expressar o ser humano é preciso encruzilhar as duas partes, mas quando negamos ou somos impedidos de exercer nossa criatividade, somos desumanizados, nos distanciamos do eixo da nossa encruzilhada interior.
Sabe aquele papo travado com a consciência, tentando entender o porquê das desilusões, das migalhas e dessa realidade perebenta? Pois é! Uma das causas de se sentir um refém amedrontado desse mundo pode ser o bloqueio criativo, a dificuldade de encruzilhar o lado ser com o lado humano.
O sol de 2020 também me mostrou que essa máquina de moer gente tá introjetada em mim e cheguei a conclusão que preciso destruir diariamente as barreiras desse bloqueio. Numa explosão de silêncios e capinagem interna, pra fazer trilha na mata mental em busca do eixo da minha encruzilhada. Dia desses, Exu me disse que a rota desse enigma fica gravada no coração, basta eu aprender a ouvir, pois é lá que vive a minha a força criativa, é lá que mora a minha face desencontrada de ser humano.