O Menino e o Ovo Por Aline Wendpap
O MENINO E O OVO (2020, 12’, Drama, Roteiro e Direção: Juliana Capilé)
Cuiabá, uma das capitais mais quentes do Brasil. Na escola Joana ouve que é possível fritar um ovo no asfalto, de tão quente que é o chão. Proibida pela mãe de fazer a experiência com os ovos de casa, a menina irá fazer tudo para conseguir realizar o teste, mas nessa busca outras questões mais importantes surgem, desafiando-a a tomar uma decisão inesperada.
Por: Aline Wendpap
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O processo de escolha de um filme a ser comentado nem sempre é fácil, ainda mais quando se pretende que o texto represente algo especial, como um encerramento anual. Por isso, acho que não poderia ter um filme melhor para o último texto da coluna Sonora deste ano, tão peculiar, quanto “O menino e O Ovo”, de Juliana Capilé. Pois, a inocência e doçura de Joana (interpretada por Maria Luiza Tozato), a personagem principal, reforçam a fé e a esperança na humanidade.
Com isso, já perceberam qual minha opinião sobre o filme. Sim, é muito bom. Tanto, que impressionou os jurados do Festival Utopia do Reino Unido (criado em Londres em 2007 com o objetivo de divulgar filmes dos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP – no Reino Unido), no qual se sagrou campeão.
O curta retrata a inquietude da menina Joana para comprovar, com seus próprios olhos, a experiência relatada por seus colegas de escola, de que é possível fritar um ovo no asfalto. Essa história, de fritar ovo no asfalto devido ao calor intenso faz parte do imaginário, relativamente recente da capital mato-grossense, apelidada por alguns de “cuiabrasa”, como podemos ouvir no noticiário que compõe uma das cenas da produção, desde que uma repórter da TV local fez a experiência em rede nacional com êxito.
Esse é o fio condutor da narrativa e ele dá base para muitas outras provocações/reflexões, de cunho social, feitas de maneiras sutis e delicadas, o que achei magistral. Por exemplo, quando as crianças discutem sobre a veracidade ou não do ovo frito no asfalto, um garoto fala sobre o fato de não haver asfalto na rua do outro e as demais crianças também pontuam o mesmo sobre suas próprias ruas, isso leva o espectador a pensar na situação da cidade, para além dos seus níveis termostáticos.
Entretanto, achei que, apesar de o roteiro e o texto versarem muito sobre o calor, as imagens e locações (mofo nas paredes e muro da escola, gramado verdinho do quintal da casa da protagonista, calçada molhada em frente à escola e asfalto frio onde crianças jogam bola descalças) retratam uma Cuiabá bem mais amena, diferentemente do comum. Vide ainda as tentativas frustradas de Joana em comprovar a tese da fritura do ovo.
Tecnicamente o filme está muito redondo, não apenas pelo profissionalismo da equipe, mas provavelmente também pelo seu engajamento ao projeto “Box de Curtas”, que segue para sua terceira edição e visa permitir que curtas-metragens com poucos recursos possam, de forma conjunta, viabilizar equipamentos e profissionais de alto nível para serem realizados. A trilha, por exemplo, é uma delícia, principalmente em sua homenagem às artistas Vera Baggetti e Zuleica Arruda, com o uso da música A La Cuiabana (Oxi) do álbum “Só Rasqueado Cuiabano” de 1997, que dá muito vigor à cena do passeio em família, que mostra alguns lugares icônicos de Cuiabá.
O elenco é bem preparado e dá uma dinâmica fluida ao curta. A atriz mirim Maria Luiza Tozato está muito bem no papel da ingênua Joana (destaco as cenas do choro no carro e a que ela encontra o menino na rua), e, apesar de seu sotaque lembrar mais o nordestino do que o cuiabano, isso não compromete em nada sua atuação, afinal não fica explícito que ela seja cuiabana, e, mesmo que seja, quais crianças ainda falam em cuiabanês?! Ronaldo Adriano cria um pai terno e divertido, em contraposição à mãe áspera e rigorosa de Tatiana Horevit. A professora, interpretada por Thereza Helena é uma mistura de paciência e comprometimento com o dever da docência. Enquanto os familiares de Joana, representam muito bem a calorosidade cuiabana, com beijos, abraços, sorrisos e principalmente mesa farta. Mesa esta que sustenta a base para o plot point, ou seja, para a virada dramática do filme, que acontece do lado de fora da casa, onde Joana encontra o menino (do título) e este somente com o olhar e alguns poucos gestos desarma qualquer coração e costura toda a trama.
Aconchegante, empolgante e um sopro de esperança é isso que este curta proporciona a quem o vê e assim, com todos esses sentimentos fecho a coluna Sonora deste tenso ano de 2020. Desejando que tenhamos muito mais curtas e quem sabe longas mato-grossenses como este, para serem vistos e comentados em 2021.
PS.: Como o filme está rodando em festivais ainda não está com acesso disponível.