O PROAC vem e a caravana passa – Por Luiz Renato de Souza Pinto
Luiz Renato de Souza Pinto. Graduado em Letras-Literatura (UFMT), atua na docência desde 1998; Mestrado em História (UFMT) e o Doutorado em Letras (UNESP). Atualmente trabalha com Ensino Médio e Superior (Graduação e Pós-Graduação) no IFMT. Desenvolve oficinas de Escrita Criativa (em verso e prosa); Poesia e Filosofia; Letra e Imagem; Narrativas Curtas; Estruturas de Romance; Literatura e Outras Artes. Possui três romances publicados: Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Xibio (2018), Cardápio Poético (1993) e Gênero, Número, Graal (2017) livros de poemas. Autor também de Duplo Sentido (contos e crônicas), e mais dois no prelo (pequenas narrativas), a exemplo de A filha da Outra (2020), o mais recente. Reflete acerca da construção de personagens, enredos, espaços e tempos, mas, sobretudo, sobre a posição do foco narrativo, os olhares sobre as personagens e as coisas, o entorno.
***
O PROAC vem e a caravana passa
Eduardo Lacerda é um editor. E de poesia; não somente, mas ele se diz, principalmente de poesia. Ano passado trouxe vários livros de seu catálogo e tenho recebido também pela assinatura da editora. Mas o que li hoje já está comigo há um tempo, e me aguardava pacientemente na estante de onde saquei pela manhã: “Caravana”, de Carina Castro.
O livro tem um fio condutor que espalha areia e camelos imaginários pelas páginas. O campo semântico é bem definido e as metáforas alinhadas ajudam a encontrar oásis na representação poética. Com
a fala pra dentro, o vento no nada
respiro, ar entra varrendo a alma
(CASTRO, 2013, p. 43).
O calor solar do deserto e a fria aragem da noite que colore as areias transportam as mensagens do eu-lírico nessa viagem. “Garoa sobre Mário” e “Ruínas” são meus poemas preferidos do livro, e vem em seguida, um colado ao outro. As presenças de Mário de Andrade e de Walter Benjamin se fazem presentes neste momento, como fossem
Descendo pela garganta da terra
adentro de si, alojado na solidão
p
r
o
f
u
n
d
a
dá em oferenda a sua fome, para não senti-la
(CASTRO, 2013, p. 46).
O mergulho para dentro aprofunda (da da em) o abismo seguro, esconde sob o véu da linguagem a poética de Carina; a meu ver, o encontro com o livro possibilitou um estranhamento íntimo, pérola escondida entre as corcovas de camelo; os sabores da culinária árabe, um poço de costumes. Penso que o livro
supera o verso, supor o enlevo
da cidade quilate e sucata
lata breu ouro e nimbo
(CASTRO, 2013, p. 54).
A enumeração proposta cidade quilate sucata lata breu ouro e nimbo colore o imaginário leitor que se capacita no exercício mais profundo da imaginação, uma vez que sequer há o uso da vírgula para quebrar o ritmo, ou cadenciá-lo de maneira lógica, racional, impondo uma aceleração ao discurso, condensação de imagens que transferem ao leitor a significação plena da leitura.
Há um eu-lírico que se despoja da construção em prol do prazer estético que aprisiona o leitor. A cadeia imagética contém o espaço contingente da poesia em que
coberta com papel de mapa
desembrulhamos a cidade
(CASTRO, 2013, p. 56).
E assim a viagem vai se tornando significativa. Leitor e eu-lírico se confundindo na autoria, na separação do joio do trigo. E o que não serve para quem lê é atirado na lixeira do pensamento imediato na qual
os lixos maleavam com as ondas
chinelos, cabelos, destinos, plásticos em desuso
e os barcos
(CASTRO, 2013, p 77).
Há de tudo na política das marés. Os componentes do lixo respondem pelo descarte de um consumo desplanejado, substantivos comuns (chinelos, cabelos e plásticos), substantivos abstratos (destinos), representações metonímicas ( cabelos e plásticos) e (pela força da conjunção aditiva), por fim, os barcos que têm no mar o complemento de sua própria natureza, ainda que construto colonial, por mais rústico que sejam. O sal da terra, o sal do mar.
Aqui as vírgulas produzem uma ação de ondas que vão e vem, o ciclo das marés, a movimentação cíclica das águas. O elemento da pontuação no texto poético é extremamente desnecessário, embora muitas vezes seja útil, sobretudo para evidenciar comportamentos específicos, acrescentar dinâmica ao ritmo.
A mão que
Cortava o pão no meio da tarde
e os óleos em ebulição sob o sol
e os olhos petrificavam secos de movimento
horizontalmente pregados no rosto
(CASTRO, 2013, p. 84).
Olhos e óleos, sempre abertos na comunicação dos signos. De acordo com Rodnei Corsini, em texto de orelha, “Esses poemas tracejam, portanto, os deslocamentos feitos em um território de palavras andarilhas. Descalços de um itinerário juntemo-nos à caravana que em nós abre passagens”. Feito o alô de Corsini, ouço que
se sentiu perdida
do orelhão Bateu um fio pra Ariadne
a voz entrou pelo labirinto
achou uma saída
mas na volta ele já não estava
(CASTRO, 2012, p. 87-88).
Não acredito em horóscopos, mas em outras formações holísticas. Gosto de histórias da antiguidade clássica. A propósito, no zodíaco, sou de Touro.
REFERÊNCIAS
CASTRO, Carina. Caravana. São Paulo: Patuá, 2013.