Oito poemas de Daniel Grimoni
Daniel Grimoni (1999) é poeta, contista, ativista cultural, professor e estudante de Letras na UNIRIO. Já foi publicado em revistas como a Gueto e a Mafagafo e em coletâneas de contos e poesia, como Rio 2065, Seis temas à procura de um poema (Flup e Casa da Palavra) e Cyberpunk: registros recuperados de futuros proibidos (Editora Draco). Está prestes a publicar seu primeiro livro de poesia. Procura celebrar a vida pela palavra e insiste em levar mais textos na mochila do que consegue ler.
***
no entanto
espalhar
verdade e beleza
pelas quinas do labirinto
espreitar o monstro
bípede que circula e tem fome
mas não lhe dar ouvidos
que dias estes
apesar de que há ainda
e sempre
uma luz do que é essencial
a nos dar certo rumo.
a barbárie na porta.
ler os tempos, estar nos tempos
da maneira que for possível.
tecidos frágeis, células
nervosas:
a matéria comum que esmerilhamos
quando parece que o fim chega
vinte vezes ao dia e ainda assim
vem alguém de outro mundo
toca nossos olhos
diz que somos ridículos
sai a beijar os mendigos da rua
*
marielle
se quiserem nos matar
precisarão começar pelos nossos
corpos, que a bala
varre, que a fome
come, disponíveis, sim, ainda que a gente
dificulte grite se junte
ao murro
seco da corporação
mas logo depois teriam
que matar
o que restou,
a mancha de vida a marca do corpo a
sombra a memória que grita duas vezes
mais,
espalha trezentos
metros mais
e o cacete não pega não adianta
o decreto não segura
a censura multiplica
e se soltam
do céu bombas
negras cápsulas
de chumbo frio
que contêm
latente
o final
isso que restou salta ao ar
um material estranho
que contamina a terra
a partir do sopro da explosão
*
não se engane
na verdade a gente é feito
de uma matéria muito pequena,
cristalina
e meio esverdeada
de uma coisa infinita
sem fronteiras, sem formato
e sem direção
não se engane
a gente quando nasce é
um rio mas todo rio
continuamente explode
enquanto flui
através de tempos
e espaços
jamais pense que
para tudo existe
um fim
na verdade, para cada coisa
existem apenas
incontáveis começos
*
o cartógrafo dedicado
rabisca rabisca rabisca
pra cada besouro novo que brota
de uma toca na montanha
uma nota sobre o relevo
*
conversar com você
sobre um sonho ou uma ideia
e animados nos atrasarmos
pro resto do dia
*
viramos a noite
contando histórias.
de um modo ou de outro
foi o que nos salvou,
pelo menos ali,
naquele momento
um conforto e uma coragem
ou não seria possível (assim jovens)
olhar a linha de prédios e o sol
que o giro da terra
afunda – esse tremor
e a aproximação
de uma coisa imensa.
tudo só nos parece.
e sentimos – em abundância, sem
hesitações.
é um segredo o processo exato
pelo qual o espaço de uma varanda e
de uma noite
se dilata
com a precisão
atenta de uma torre de relógio
até recobrir tudo – qualquer desespero – com
a mais intransigente
quietude
*
estou sentado em uma cadeira no quarto.
o meu pai abre a porta
(olho para ele)
gostaria que eu
o seguisse.
vamos até o quintal da frente e lá meu
pai apaga as luzes
e aponta para o céu.
– o que será aquilo?
– Vênus – pergunto,
depois de uma rápida olhada.
pausa.
– não, tá brilhando demais
pra ser algum planeta ou
estrela, e se mexe
muito rápido.
pode ser
a estação espacial.
ela dá 16 voltas na terra
todo dia e dá pra ver daqui – ele me sugere. não sei se o dado
está certo.
– pode ser um cometa – replico com esperanças: jamais vi um
cometa.
o ponto é que seguimos
astronomicamente ignorantes,
lançando adivinhas
ao céu do rio de janeiro:
que talvez seja
construído
em sua repetição de dias
a partir de uma única e feroz
sutileza:
e daí em diante, por camadas,
até a banalidade de trancar o portão
esperar o ônibus e ir mastigando
o espaço
*
plumas
existem flechas percorrendo
as minhas veias.
sim: flechas pontiagudas,
largas cabeças de ferro fundido.
nenhuma está aqui
para rasgar
a minha carne.
eu não permitiria.
apesar de que, por carregar
essas flechas,
reconheço ter o potencial
destrutivo
de um guerreiro samurai
em tardes iminentes.
isso pode importar
muito pouco, no fim:
se faz necessária certa
diligência – e nesse caso
seu gesto passa
a ser de outra natureza – seguem incontestáveis
em ciclos no plasma vermelho
até que
acertam num impacto o centro
do meu corpo.
e delas só restam umas poucas
plumas
que precipitam
com súbita leveza.