Oito poemas de Marcelo Benini
Marcelo Benini nasceu em Cataguases, Minas Gerais, em 1970. Publicou O Capim Sobre o Coleiro (poesia/2010/ed. do autor), O Homem Interdito (crônica/2012/Intermeios), Fazenda de Cacos (poesia/2014/Intermeios) e Currais Concretos (poesia/2018/Intermeios). Vive em um núcleo rural próximo a Brasília-DF.
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Ceifa
Chovia a cântaros pássaros do céu
No chão não sabiam ser pássaros
O encantador de fortunas, o rato
Mirava satisfeito seu intento
De fazer chover pássaros.
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Consigna
Não contem mais o tempo
E se acaso a polícia os interpelar
Permaneçam eternos.
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Fábrica de sol
A máquina de prensar humanos faz seu trabalho
E se temos porventura algum pensamento sombrio
Logo um desânimo contente nos acalma
Precisamos de otimismo e unidade
E cânticos às engrenagens, aos domingos
Para permanecermos sorrindo sob a máquina de prensar humanos
Para sobrevivermos aos exigentes que nada criam
Para continuarmos da substância que existimos
E criamos o hábito.
*
Jogo de água e tempo
Segura o tempo como quem agarra a água
O tempo se fecha na mão que afunda
E sai firme, molhada
Mão contra mão, só carne
Cadê o tempo?
*
Ferida
Chegaram aqui as cercas de arame farpado
O arame roçava os bracinhos mestiços
E quando tentavam transpor os pastos
À dor do arame retrocediam
Encolhidos os braços
Deitavam-se à sombra
Excediam-se em valsas
De quinhentos anos.
*
Roda da fortuna
Entre quatro paredes
Mais um arcanjo se arde
Na vertigem do gesto
Um saltimbanco desaba
Nos porões delirantes
A bailarina se enforca
Nos pulsos nervosos
O poeta se corta
Na bebida amarga
A atriz se afoga
Na veia que sobe
O palhaço se estraga
Nas rodas do ônibus
O menino se embala
No gás inexato
Os namorados se acham
Há um estranho palco sem atores
Neste sombrio teatro de credores.
*
Amantes
Nossa infâmia começa cedo
A luz devassa,
A cama bisbilhotada
Os corpos esquartejados
De ontem
Precisamos nos remontar
Já é dia.
*
Um cão
Sê um cão
Intruso, magro, apartado
Porém, cão
Indiferente a deslouvor e pedra
Inabalável, insistente e tenaz cão
Incomunicável
Recolhido em ser cão
Um cão de pelos áridos
De boca imunda
De olhar desmaiado
Cão.