Os gigantes já têm um lugar – Por Aline Wendpap
Na coluna mensal “Sonora” (clique aqui para acessar todos os textos da coluna), Aline Wendpap escreve sobre cinema e audiovisual, dedicando-se principalmente a tessitura de textos críticos, com ênfase na produção mato-grossense, nacional ou ainda latino-americana. O título da coluna visa brincar com a palavra, que tanto é ruído, quanto pode ser uma conversa ou um som bacana. Não deixa de ser uma homenagem ao som, característica vigorosa do cinema, além de se parecer foneticamente com Serena, nome de sua bebê. A coluna irá ao ar sempre no último domingo do mês.
Aline Wendpap é cuiabana “de tchapa e cruz”, nascida em 1983. Primeira Doutora em Estudos de Cultura Contemporânea pelo PPGECCO da UFMT, Mestre em Educação pela mesma Universidade, Bacharel em Comunicação Social – Habilitação: Radialismo (UFMT), integrou o Parágrafo Cerrado, coletivo dedicado a leituras de cenas de espetáculos. É autora do livro A Televisão sob olhar das crianças cuiabanas (2008, EdUFMT).
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Os gigantes já têm um lugar
Abecedário – Encontros e Desencontros nas Letras Mato-Grossenses (29:57 de Jonathan Cesar). MT, 2018.
Os gigantes já têm um lugar e você, Marília, sempre esteve entre eles, com certeza! Agora desde um outro plano e perspectiva, mas com uma história colossal de força, persistência e efervescência para ser contada por muitas gerações.
Este texto deveria ter sido publicado na semana passada, pois a coluna Sonora é atualizada geralmente no último domingo de cada mês. No entanto, devido ao luto, pela perda de um tio muito querido, com covid-19, não pude fazê-lo. De todo modo, o presente texto se pretende uma homenagem, não ao meu tio, mas a Marília Beatriz Figueiredo Leite, imortal que ocupava a cadeira número 02 da Academia Mato-grossense de Letras, falecida dia 03 de julho passado, assim como meu tio, vítima do novo Corona Vírus.
O documentário intitulado “Abecedário – Encontros e Desencontros nas Letras Mato-Grossenses” já participou de algumas mostras e festivais, tendo recebido o Prêmio de relevância histórica na Mostra Sesc edição 2017/2018. O diretor Jonathan Cesar apresenta um breve, mas elucidador relato a respeito da história, composição, características e funções sociais da Academia Mato-grossense de Letras (AML), explanando em um voo panorâmico, a cena cultural mato-grossense, desde a fundação da academia até os dias atuais.
A produção, conduzida por Keiko Okamura é equilibrada e comprometida com a seriedade que o tema requer. A trilha sonora agradável e sutil proporciona a tranquilidade necessária para nos colocarmos abertos ao descobrimento da narrativa. A fotografia e enquadramentos também seguem a linha do conforto visual, com alguns contrastes de cores no cenário – como os grafites da abertura e os quadros de Capucine Picicaroli ao fundo da entrevista de Eduardo Mahon – que salpicam alegria em meio a temática, um tanto quanto delicada, para uma sociedade, que de modo geral mantém distanciamento dos livros e da leitura.
O filme, baseado em entrevistas com os atuais ocupantes das solenes cadeiras, discorre sobre a importância desta instituição para o estado, bem como sobre a relevância dos seus mais icônicos personagens. Destacando-se dentre eles Dom Aquino Corrêa, talvez o principal intelectual da época, que fundou a Academia juntamente com José Barnabé de Mesquita, primeiro e único presidente da casa por mais de quarenta anos, responsável pela consolidação da academia como uma instituição de respeito, junto a sociedade cuiabana; o documentário evidencia ainda Benedito da Silva Freire, poeta cuiabano que revigora e insere a ideia de vanguarda na academia. O seu dilema pessoal e entrevero com Wladimir Dias Pino, quanto a adentrar ou não o “rol dos imortais” é um dos trechos mais interessantes tanto da história, quanto do filme na minha opinião. Emocionante a leitura feita por dona Leila, do trecho de seu discurso em que pede desculpas aos seus filhos e esposa.
Mas e Marília nesta história? Bem, seu tempo de aparição no documentário é bem curto, porém intenso e provocativo em cada palavra pronunciada. Ela foi presidente da AML entre 2015 e 2017. Responsável, em grande medida, pela remodelação e renovação da academia e de seus velhos hábitos. Uma grande representante da força feminina não apenas na AML, como em todas as instituições pelas quais passou. Uma curiosidade, ela foi a fundadora da Associação de Pós-Graduandos da PUC-SP (APG da PUC-SP), enquanto fazia seu mestrado lá, o que dentre tantas outras coisas nos aproxima (pois eu também participei da efetivação da APG da UFMT no mestrado).
Por fim é uma pena a Academia não poder continuar em efervescência a vida toda, pois caso pudesse ela deveria mudar sua denominação para Marília Beatriz, que agora certamente promoverá muita efervescência onde estiver! Para encerrar, trago aqui um poema dela, publicado também pelo Ruído Manifesto, que cabe bem para este momento:
Vida vida! ÁVIDA
DÚVIDA DÁDIVA
DEVIDA