Ping Poesia 10 – Andri Carvão e Felipe Nascimento
Trazemos hoje mais um episódio da série de curadorias com os poemas do Ping Poesia, projeto idealizado por Andri Carvão, Noélia Ribeiro e José Danilo Rangel, que originalmente consiste na gravação de um vídeo com uma dupla de poetas fazendo um rápido ping-pong com trechos de seus poemas. Aqui, na Ruído Manifesto, as leitoras e os leitores poderão ler os poemas utilizados na íntegra e também assistir ao vídeo, veiculado inicialmente na página Ping Poesia. Desta edição fazem parte os poetas Felipe Nascimento e Andri Carvão.
Andri Carvão cursou artes plásticas na Escola de Arte Fego Camargo em Taubaté, na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e na EPA – Escola Panamericana de Arte [SP]. Graduando em Letras pela Universidade de São Paulo, há colaborações do autor em diversas revistas e antologias. Suas últimas publicações foram Um Sol Para Cada Montanha [Chiado Books] e Poemas do Golpe [editora Patuá]. Integra o Coletivo de Literatura Glauco Mattoso, criado pelo profº Antonio Vicente Seraphim Pietroforte, apresenta poetas e poetos no Simpósio de Poetas Bêbadxs em parceria com Thiago Medeiros e é um dos idealizadores do Ping Poesia juntamente com Noélia Ribeiro e José Danilo Rangel.
Felipe Arruda Nascimento (2000) é estudante de Letras da Unisanta EaD. Nasceu em Santos, descendente de nordestinos, mas logo cedo se mudou para Praia Grande, onde vive até hoje. É editor da Revista Média Santista e lançou seu primeiro livro independente em 2019, no primeiro semestre, chamado A Alegria é Surda. No segundo semestre do mesmo ano, publicou O lado sensacional da vida é o meu ou livro dos mortos (https://www.editorapatua.com.br/produto/112564/o-lado-sensacional-da-vida-e-o-meu-ou-livro-dos-mo). Gosta de ler desde que aprendeu, mas só conheceu a poesia aos 12 anos, a partir de aí nunca mais a largou.
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Sequência de Andri Carvão
Eu tenho muito frio
Eu tenho frio demais
Vou me jogar no rio
Adeus pra nunca mais
*
Eu não quero morrer
e nem quero ser morto
– só quero fazer isso sozinho.
…depressivo… AGRESSIVO!!!
Casa é útero ou céu?
*
Os escritores se dão uma importância desmedida
– principalmente os poetas.
*
Ninguém se entende porque todos têm razão.
*
Escrever poema é fácil.
Quero ver é alcançar a Poesia.
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Sequência de Felipe Nascimento
O mundo é um inferno cheio de igrejas.
O homem é dono de seus próprios pecados.
(Lhe cabe seu próprio Deus e demônios)
II
A quantos mitos e heróis,
Eu canto depressivo?
Uma princesa da Disney
Prostituída e drogada.
O chão é seco e nem absorve água.
Uma lágrima escorreu pelo concreto,
Como uma esperança vã
De os rios chegarem a superfície.
Quantos sonhos há na cidade?
Há menos ou mais do que os feitos de açúcar e gordura?
E só a estes que cabe um valor?
Eu vejo um herói da Marvel enfartando em cada esquina
Sua capacidade unilateral de ver.
Pindorama e seus capitões Brasis que acreditam que o fuzil é a única via.
Nosso patriotismo sem nação, nossa nação sem povo.
Meu moço leiteiro ignaro,
Dessa vez negro, como achocolatado Nescau
Morrendo à toa por governadores engomados de helicóptero.
Ele tem um coração grande:
Cheio de gordura
(Nem de chagas, essa doença é de pobre)
Aqui ainda se planta cacau?
As tocaias no rio de janeiro,
Os prédios caindo em São Paulo.
Esperam que nasçam flores em cima de Mariana e Brumadinho
E que os peixes sigam seu fluxo.
Nós ainda seguimos o nosso,
Os ônibus todos os dias passando sonâmbulos pela rua
(A cidade é um cardíaco sedentário
Seu sangue se espalha por aí,
Contaminando a todos, tornando tudo sono e cansaço)
Cultua-se a morte e a violência
E a ela dão o nome de Deus.
Dão às armas de fogo
O nome de tradição.
Não foi Deus que levou seu filho. (este existe? E qual seria o destino dele? Ele é tão humano quanto
nós?)
Foi o próprio homem
*
Havia jabuticabas no chão da firma.
Pisar jabuticabas é como pisar em olhos
E cada vez que eu andava, ia cegando a cidade.
Cada vez que eu andava, sentia a culpa e angústia.
Mas era preciso guardar para si,
Homens apenas trabalham trabalham trabalham.
Homens da minha classe não podem sentir a delicadeza.
Perceber no tato os próprios dedos.
Os homens estão condenados a pinga, a cachaça.
E bater nas suas mulheres em casa.
Os homens estão condenados a burrice de outros homens,
Estão condenados a gritos.
Tentando ser corajoso que é covarde
(Matou a mãe de três filhos)
Tentando manter a honra
(Matou a filha e o namorado)
A liberdade é uma palavra que só existe nas faculdades de economia
*
Quando eu nasci,
Um anjo barroco, desses bem certinhos
Disse:
“Desse porra cuido eu não”
Em frente as faces de engrenagem
Minhas pernas pretas nada valem.
Que desejo guardo em gavetas,
Organizada vida do sem sentido?
Mundo encolhido mundo,
Quando meu cu encolhe,
Quando vejo meu parente na televisão
Mundo encolhido mundo,
Quando meu cu encolhe,
Quando estou entre a polícia e o arrastão.
*
Na cidade há sempre uma planta solitária.
á ainda um pássaro que canta.
Há pombos que não sabem que são livres.
Eu sinto que sou um banco de praça,
Em mim há abandono e chicletes grudados na alma.
Eu não simpatizo com os carros,
Suas faces alegres e barulhentas,
Relembram da solidão de não conseguir ouvir o outro.
Depois do xixová,
Há apenas vidas secas,
E brigas e esgrimas mentais,
Olhares amarelados de velhos
(De tanto olhar degastou a coisa)
Mas ainda sim desatento,
Fazendo me esse perdido no deserto
*
Os homens vão ao trabalho trajando luto
Mas os dedos trabalham com a urgência de um parto
Morte e vida têm uma urgência parecida,
A diferença é que uma acontece só uma vez
Outra se prolonga.
Árvores surdas, trazendo luz espectral verde,
Um alívio, um abandono
Respirar ar puro enquanto bichos peçonhentos
Sobem a perna.
Enquanto eu andava com pressa,
Evitando as fezes na calçada,
Um senhor de idade sorriu para mim.
Um sorriso e um viaduto caem todo dia.
Um grupo de estudantes no intervalo
A inocência de saber as coisas.
Enquanto lá fora, crimes engavetam-se tornando estatística.
Um parto pode ser uma aurora e um crepúsculo,
Mas morrer é definitivamente é um crepúsculo,
Penumbra da penumbra
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Agora, assista ao vídeo