Pra você gostar de mim ou Olá, meu nome é Hugo e serei seu intérprete – por Hugo Lorenzetti Neto
Na coluna mensal “Jerônima” (clique aqui para acessar todos os textos da coluna), a bonita Hugo Lorenzetti Neto nos traz – no melhor estilo eu-miss-desejo-a-paz-mundial – traduções de autoras e autores de diversas línguas e partes do globo. Diplomacia com plissado rosê. Regras: 1) cada coluna é um baile temática, os textos traduzidos têm um tema em comum; 2) uma espécie de ensaio inédito do colunista amarra sempre as traduções. A coluna irá ao ar sempre na última quinta-feira do mês.
Hugo Lorenzetti Neto é diplomata e tradutor, e atuou quase toda sua carreira, de 2006 até o momento, na área cultural do Itamaraty. Atualmente lotado no escritório do Ministério em Recife, oferece oficinas de escrita e realiza clubes de leitura, além de divulgar poesia em seu projeto O Caderno Rosa (@ocadernorosa, no Instagram).
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Pra você gostar de mim ou Olá, meu nome é Hugo e serei seu intérprete
Comecemos.
Poem Joe Brainard
Sometimes everything seems so oh, I don’t know. |
Poema Joe Brainard
Às vezes tudo parece tão ah, sei lá. |
Espero que você perceba que decisão de fazer essa tradução de Joe Brainard em cinco ou seis versos é dolorosa. Entrego-a aqui em seis, mas queria deixar em cinco, assim:
Poema
Joe Brainard
Às vezes
tudo
parece
tão
ah, sei lá.
(Percebam que vocês foram enganados e entreguei as duas).
Às vezes é um bloco de sentido. “Às vezes” é um bloco de sentido, mas a frase sem aspas ficou ótima. Mas ao mesmo tempo é tão bonito ver uma palavra sozinha em cada linha, que é preciso pelo menos considerar essa possibilidade. Poderíamos fazer uma enquete nos stories da minha conta de Instagram (jabá: @ocadernorosa). Brigar eternamente com textinhos no Twitter ou com textões (you’re so 2013!) no Facebook. E não tem uma resposta, e a decisão será da pessoa que aperta enter e faz o livro ser impresso, que no geral acata ao que decidiu o editor e aí vemos essa falsa onipotência desafiável pelo estagiário do enter… enfim, nunca editei nada. Adoraria.
(Esfrega as mãos).
Essas questões são gostosas. Escolher palavra, decidir perdas e ganhos, reescrever uma coisa completamente de modo que ela pareça mais ela mesma do que o Google poderia supor. E também é gostoso escolher. Mostrei aqui esse poema curtíssimo de Joe Brainard, porque estou me apresentando às custas dos outros. Porque ele era gay, e eu também. Quer dizer, ainda sou, acho que isso não desencarde assim tão fácil. Porque ele era bonito e eu não. Porque ele explica tudo, inclusive a energia quando, depois de aceitar um convite mensal muito massa de fazer uma coluna de tradução pra uma revista de literatura ainda mais massa, a gente se senta pra escrever o primeiro texto e… ah, sei lá. E me parece espírito da era isso: ah, sei lá. E se não for talvez devesse ser um pouco.
Então. Isso aqui é uma coluneta. Um gênero textual tradicional indiano que acabei de inventar. É uma mistura de minibio (até o nome é irritante, vamos combinar), mini ensaio, mostruário de venda de serviços de curadoria e tradução e propaganda nas redes sociais. Instagram, gosto mais. Já passei minha arroba, inclusive.
Mas:
Don’t Look For My Life In These Poems Eunice de Souza
Poems can have order, sanity aesthetic distance from debris. All I’ve learnt from pain I always knew, but could not do. |
Não Procure Minha Vida Nestes Poemas Eunice de Souza
Poemas podem ter ordem, sanidade distância estética do detrito. Tudo o que aprendi com a dor eu sempre soube, mas não suportava. |
Um poema curto, aparentemente simples. Mas há a necessidade de decidir como traduzir o verso final: tratar “can do” como expressão idiomática, ou palavra por palavra? E nesse caso: “can” conota permissão ou habilidade? Escolhi o tratamento idiomático pensando no conjunto da obra de Eunice de Souza, por quem me apaixonei e cuja obra venho traduzindo por gosto poema a poema. Também me recordo do tempo em que morei em Nova Delhi que “I can’t do” era uma expressão que se ouvia muito para dizer “não aguento mais”. Usei o “suportar” porque ele é ambíguo: tem o sentido de aguentar como vítima, mas também o de odiar, detestar.
E nisso volto ao que acho de Eunice: uma Sylvia Plath mais cruel, de palavras mais afiadas, mais auto irônica, menos ícone de beleza, mais desgrenhada e ácida, que antes de conhecer o feminismo conheceu o ódio à condição feminina indiana. Esse nome e português, sim: ela é de Poona, na província do Maharashtra (onde fica Mumbai), de uma família goesa católica e a poesia dela fala bastante nisso. Sua poesia outra mostra proximidade: algumas histórias familiares são conhecidas no interior brasileiro católico e conservador. E há diferenças sua poesia ensina que os católicos de Goa mantêm as castas em sua religião. Mas não procure a vida de Eunice nesses poemas. Nem a minha nesta coluna de tradução.
(Até parece que você procuraria).
(Eunice vai voltar, aqui é só um cheiro).
(Joe Brainard também).
Esse aspecto solitário da literatura é uma coisa engraçada. E no caso da tradução, parece que mais solitária ainda, porque, no geral, se você não for uma Denise Bottman, ninguém foi até o livro para te ver.
(Se bem que com umas selfies sem camisa #biscoito #wanderlust, até que modernamente é possível… ah, sei lá).
Mas eu dizia: para mim, literatura é para juntar. Há solidão, sim, ler sozinho, escrever ou traduzir sozinho. Mas é bom conversar. Hoje tem um monte de clube de livro, tem fóruns para troca entre tradutores: mas eu queria propor a fogueira pra gente sentar em volta.
Assim será a coluna, que começa na semana que vem. Para cada uma delas, vou adotar um tema e fazer um exercício curatorial que criará um percurso de textos dentro do tema. Vou escrever esse percurso: que reflexões trouxeram esses textos para a coluna, como se percorre de um a outro, quais são as questões de tradução em cada texto, quem são essas pessoas que escreveram, por que eu gosto e acho que talvez você vá gostar. Bem assim: oi, amigo, encontrei isso e achei que você gostaria de ler, e me fala o que você achou da tradução. Num pequeno ensaio.
Bem isso. Uma coluna para curtir literatura e de repente fazer amigos. Pra você gostar de umas coisas talvez surpreendentes, talvez que você já curtia. Pra você gostar de ler junto. Pra você gostar de ler comigo. Ora, a verdade, neste tempo tão cheio de eus, que o eu seja sincero e singelo: pra você gostar de mim.
(E eu de você, por que não)?