Quatro poemas de Alieth Cavassa
Alieth Cavassa por ela mesma:”Escrevo poemas desde criança, acredito que com nove anos de idade já rabiscava meus primeiros poemas, escrevo para nāo adoecer. Nasci em Araraquara, interior de São Paulo, mas passei a infância próximo ao rio das Mortes na zona rural de Mato Grosso, sobrevivente das inúmeras mazelas sociais do nosso país, já de volta ao interior de São Paulo, as ruas, guetos e vielas me levaram até as rodas e academias de Capoeira Angola. Tenho 34 anos de idade, iniciei na Capoeira Angola aos 16 e desde então venho aprendendo e também ensino um pouquinho dessa arte. Sou graduada em Química pela Unicamp, trabalho como professora de química na educação básica e nos últimos anos tenho sido aprendiz de comunicação não-violenta e outras práticas de resolução de conflitos.”
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POEMA DE ANUNCIAÇÃO!!!
Vida, morte e guerra.
10/06/2020
Situação tá grave
Gravidade
Gravidez
Prefiro dizer que estou gestando
Gesto profundidades.
Não gesto luz,
porque as luzes estão sendo apagadas.
Nem flores, nem borboletas
porque as maravilhas sutis são dadas as brevidades.
Estou gestando uma pequena fera
Algo como uma onça, um tigre
prefiro pensar numa leoa ou leão.
Três décadas sobrevivendo
Paciente, educada e submissa
Não me venha falar que eu preciso estar calma.
Eu tô em pé
brava e combativa
O que vocês sabem sobre o amor
que não sejam alegorias fúteis?
O amor sempre exigiu fibras de mim
Já a conivência; calma, submissão e educação.
Sou bicho crítico e pensante
mas não amansado
Os deuses preservaram algo dos meus instintos.
Então,
não me interrompa no meu sono
porque eu descansei pouco
Não ouse cruzar a linha do meu limite!
Aquele seu velho costume…
Não exija de mim futilidades!
Vá a merda!
E tenha suas próprias coisas fúteis!
Quem ama as mulheres?
Quem respeitas as mulheres?
Quem respeita as mulheres negras?
Nunca me senti tão bicho na minha vida
guiada pelos hormônios…
foi quase um mês aninhada
vomitando….
vomitando não só o alimento do dia
Mas todo o desafeto de uma vida!
Vomitei a menina abandonada
e acariciei toda a sua grandeza restante
Acariciei a menina viva, destemida e liberta
Fiz as pazes com essa menina linda
e convidei ela para viver comigo
e somarmos nossas forças.
Desde então,
meditamos muito
Meditamos muito sobre como vencer essa guerra
Fizemos as contas
sobre quantos pretos, indígenas e felinos
hão de ser paridos
aleitados, paparicados, bem-amados e fortificados
para estarmos juntos, em pé, vivos e combativos.
A vida se renova!
A vida se renova com INTENCIONALIDADE!!!
Não espere de mim futilidades.
*
ACERCA DA CERCA
(2002)
Cerca o cerco
em cima da cerca.
A cerca cheira
a esterco.
*
O MOINHO
abril/2017
Cuidado meu amor
Tem um moinho soltando fumaça no horizonte
Tem um moinho onipresente em cada nota em cada cartão
Em cada banco de concreto na praça vazia
Tem um moinho que não quer parar
O moinho se alimenta do nosso medo, da nossa desgraça
Da nossa pobreza e mesquinharia
O moinho devora sonhos.
*
PROMESSA PRA AFASTAR A TRISTEZA
12/10/15
Essa mágoa
que trago no peito
nada tem a ver com vocês
Vocês que fizeram
parte do meu passado
ou que insistem em fazer
parte do meu presente
Vocês não tem nada a ver com isso!
E por sei minha
exclusivamente minha mágoa
por ter consciência do peso
que carrego no peito,
isso me distingue
dos demais miseráveis?
Um pouco menos de ignorância
por saber algo do íntimo ,
e posso ser rei entre
os esquecidos?
De modo algum
isso é um elogia à tristeza
Não faço elogios à tristeza
e desconfio da solidão
Se choro no passante público
e porque tristeza é banalidade
O riso fácil que é dado
como coisa de hospício!
Tristeza é tão trivial
que me pergunto;
– Quem se importa
com a tristeza alheia?
Mas, se por ventura
por ledo engano
essa tristeza que me veste
essa mágoa que me pesa
escapa da minha pele
ou me cai do meu peito
faço promessa pro santo:
Que a felicidade seja compartilhada
e que por decreto,
desde já,
todo ser
seja visto como gente
E que gente seja sinônimo
de bicho solto
livre e feliz!
ROZANa Gastaldi Cominal
DIANTE da REALIDADE SEM FUTILIDADES, ela GRITA: QUEM SE IMPORTA? Os poemas MOSTRAM A FIBRA DE UMA MULHER CRÍTICA E PENSANTE.