Quatro poemas de Ana Carolina Oliveira Paula
Ana Carolina Oliveira Paula, original do Mato Grosso mas criada e batizada em terras mineiras. 23 anos respirando fundo e procurando um lugar no mundo. Não publicada, exceto por mim mesma: https://medium.com/@anac4r0l_
Queriam saber porque eu escrevia, e eu expliquei que não era porque eu queria, e sim porque precisava. Acredito que a escrita aproxima pessoas, como qualquer outra forma de expressão.
***
Essa não é uma confissão
“Eu quebrei a costela de Adão”
E por isso, e depois disso
Eu não sou nada.
E me tornei tudo.
Tudo o que existe em mim se desfaz todos os dias em milhares de fragmentos de incertezas.
Pela manhã junto os pedaços e daí se formam pérolas, com a luz do sol… com a leveza da lua.
Com o universo todo a meu favor.
E por favor, quisera todas as mulheres terem quebrado a costela de Adão.
E quem disse que não?
Em mim habita magia de milhares de séculos
Essa não é uma confissão
“Eu quebrei a costela de Adão”
E depois disso, e por isso
Cometas explodem no universo da minha retina
A cortina do meu quarto tem escorrido amor
Até o rio que fica a beira do meu colchão.
As estrelas já não só brilham,
Elas brilham e conversam comigo pela janela do meu quarto.
A lua tem me cantado canções de ninar.
cumulados.
Magia ancestral.
Quem me garante que o universo não é criação de uma Mãe?
Dessa mãe nasceram as mulheres.
E nem se quer existiu Adão.
*
10:51
Um segundo de atraso.
Namorando o imprevisível sem que ele saiba.
De segunda-feira um trato com o destino:
Ele me deixa seguir encantada
Sem me preocupar com o perigo eminente.
Andando de trás pra frente, já aceito o fim.
Pra que o começo contemple a doçura e a tranquilidade de algo que já acabou.
*
Azul
Minha mãe falou comigo.
Minha mãe mora em mim.
Quando seus olhos encontraram os meus pude ouvir o fundo do mar.
Meu coração palpitou.
Voltei pra casa e ela me encontrou
Deitei numa de suas conchas
Dormi o sono que jamais dormira antes
Presente de Orunmilá.
Minha mãe me disse que aqui fora as coisas são diferentes.
Que aqui o balanço das ondas tem mais chances de me afogar.
Minha mãe me disse que meu coração sempre vai ser de menina que carrega o mar.
Que quando eu achar que estou me afogando é só fechar os olhos e lembrar de quando dançava, sambava, lutava, por cima e entre as pedras pro meu povo salvar.
Que quando estiver me afogando, viajar pra dentro e sentir o pequeno pedaço de mar que faz morada em mim e lembrar que peixe sabe nadar.
Eu deito e repouso nas pernas da sereia, da feiticeira, da guerreira Ogunté.
Que carrega consigo o brilho da lua, a proteção de Yemanjá, a força de Ogum, a cumplicidade de Oxossi, a doçura de Oxum e o amor de Oxalá.
Minha mãe me disse que preciso lutar contra meus medos, nada pode me dominar.
Minha mãe sussurra no meu ouvido o quanto sou minha, o quanto sou alma e o poder do meu olhar.
Mas minha mãe me falou que ninguém vence sem lutar.
Minha mãe tem questionado minha fé.
Ela me disse sobre as dores e as delícias de ser filha de Yemanjá.
Ela me falou sobre pisar no chão com firmeza, sentindo a lama de Nanã me dando estabilidade para caminhar.
Resgatar a minha ancestralidade através das cicatrizes da alma, da alquimia do fogo que um dia quis me queimar.
Ela me falou sobre a força de Oya, o poder do vento e a magia que existe em toda mulher.
Minha mãe me disse pra saber ouvir com paciência e aprender com o silêncio de Oxalá.
Pra conservar do meu lado os meus, que como Xangô, junto comigo vão caminhar.
Minha mãe me disse que sem Dan, o mundo não seria mundo, a serpente que rasteja, transmuta e prospera tem mistérios a ensinar.
A água que cobre o meu corpo, vez ou outra me faz lembrar a cama de ervas que Ossain preparava pra nos deitar.
Minha mãe disse pra não temer Omolu, muito pelo contrário. Pra saudar com humildade porque quem tem o seu amor, consegue olhar através do caos com tranquilidade.
Minha mãe me disse que Laroyê não é palavra de se brincar. Me contou que todo o segredo do futuro se esconde na risada de Exu. Mojubá.
Minha mãe forjou uma armadura com ajuda de Ogum, banhada com sua lágrima e sangue, me abençoou com esse presente e pediu pra eu nunca me esquecer de onde eu vim
Porque eu vim, pediu pra me lembrar.
Alimentar e rezar ao meu Orí.
Pra que meu próprio ego não possa me derrubar.
Depois de ver minha mãe olhando por mim
Entendo agora, porque é a dona das cabeças.
Entendo porque de um amor que não se pode mensurar.
Como ousaria explicar a força do mar que transcende e se transforma em mulher.
E assim se refaz o ciclo. Da água eu vim, de água eu sou, nada me prende, navego por mim, meu oceano particular, e quando voltar pra água, mais um filha que foi salva pelas mãos de Yemanjá.
*
23:42
Dessa vez eu sangro,
Eu grito, eu me mordo por dentro,
Me reviro do avesso e me contorço, me dobro e me desmonto…
Mas se você chamar, logo montada eu consigo estar.
Dessa vez nenhum silêncio, nenhuma palavra não dita, nenhuma conversa mal resolvida. Dessa vez eu não entendo: da história que não tem fim, eis o final.
Quando eu menos espero: um novo começo.
Mais uma vez eu sangro, eu grito.
Eu choro um choro abafado, um choro engasgado de quem nem lágrimas tem mais.
Pudera nenhuma lágrima mais fazer nascer se quer uma flor?
Pudera eu mesma não precisar que nasça?
Volto pra dentro de mim, cada dia mais extenso o caminho.
Em cada parada uma pergunta ecoa na minha voz: o que é ser suficiente?
Dessa vez eu volto sem a resposta, dessa vez se encerram as perguntas.
Dessa vez se abrem os sorrisos com vestígios de gritos,
Eu abraço com suor de receio e partida, é inevitável.
Dessa vez o meu quarto não suporta os planos.
Dessa vez a vida ficou pesada e leve demais. Como explicar?
Dessa vez a pergunta não é mais sobre você… e sim sobre mim.