Quatro poemas de André Luiz Pinto
André Luiz Pinto da Rocha nasceu em 1975, Vila Isabel, Rio. Doutor em Filosofia pela UERJ, leciona na FAETEC e SEEDUC. Casado com Cristina Melo, pai de Tales Melo da Rocha. É autor de: Flor à margem (1999), Um brinco de cetim / Un pediente de satén (Maneco, 2003), Primeiro de Abril (Hedra, 2004), ISTO (Espectro Editorial, 2005), Ao léu (Bem-te-vi, 2007), Terno Novo (7Letras, 2012), Mas valia (Megamíni, 2016), Nós os Dinossauros (Patuá, 2016), Migalha (7Letras, 2019). Seus poemas foram tema para os documentários André Luiz Pinto: Prazer, esse sou eu e Autobiografias poético-politicas, em 2019, ambos de Alberto Pucheu.
O terceiro e o quarto poemas são inéditos.
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Índico
A mão fechada é o silêncio do morto,
a noite navegante, o barco é um berço que embala
muitos homens ao mar, o mar pode ser o asfalto, gueto
de lâmina e assalto, pode ser do alto de um edifício
de um escritório branco, com suas falanges.
Viver é uma forma de delírio, o melhor
é sempre em casa, palavras continuam ao léu
de onde se arrancam estórias
das mais fundas raízes.
[De Terno Novo (Rio de Janeiro: 7Letras, 2012)]
*
S/Título
Ouvir as montanhas que, de tão negras,
nada nos dizem. Senti-las de perto como se treina
com a concha o ouvido a repetir seu nome.
Andar pelo sopé do morro, pousar a mão
no dorso, veja: a montanha respira,
ouça o silêncio de seu coração a roer
as vísceras. Pense, é preciso, nosso medo
é de não sobrar nada. Ouvir,
das montanhas, o que se precisa dizer
é o nosso melhor incômodo.
[De Ao léu (Apresentação de Antonio Carlos Secchin. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007)].
*
Lacônicos
Madrugava… Passeávamos
de táxi, após o vernissage. As ruas estavam
relativamente vazias. Lá fora, nada que importasse.
Foi quando, sem lhe dirigir o olhar, falei,
ainda absorto com as visões da janela do carro. Sabe os edifícios?
E o que que tem os edifícios? A cidade pertence
aos edifícios. Ela é a sua escrava.
De fato, respondeu. Depois, seguimos viagem.
E não trocamos, durante
o trajeto, mais nenhuma palavra.
*
Só para os maiores
A Cristina Melo
A primeira vez em que a vi, e a gente só vê alguém de verdade
quando está gozando ou
quase morrendo
ela me deu nos nervos
depois fui eu que me dei
com as vindas de suas pernas e cortinas abertas
como quem aprendeu a fazer usucapião
do desejo.
Sua cama me faz enfrentar qualquer apartheid
a escrachar com a ignorância dos boçais.
Eu me vejo em você.
Corro feito uma lágrima em seu rosto.
Eu me vejo como um Rei Nagô.
Cumprimento, com um amor que só vendo,
esses manequins que nos acostumamos a chamar de pessoas.
Um guarda-chuva
que só abre em convexo.
Um cobertor
em que sobram os pés
em dias de sexo
e de frio.