Quatro poemas de Ângela Vilma
Ângela Vilma (Andaraí-Ba, 10/11/1967) é poeta, cronista e professora associada na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Possui mestrado e doutorado em teoria da literatura (UFPE) e pós-doutorado em literatura brasileira (USP). Publicou, entre outros, os seguintes livros de poesia: Beira-vida (Rio de Janeiro: Jotanesi Edições, 1990), Poemas escritos na pedra (Rio de Janeiro: Jotanesi Edições, 1994), Poemas para Antonio (Salvador: P55, 2010), A solidão mais funda (Itabuna: Mondrongo, 2016) e Talvez um blues (São Paulo: Patuá, 2021). Em 2020 publicou Aeronauta (Itabuna: Mondrongo) seu primeiro livro de crônicas.
O poema “Vinte e seis anos esta noite” é inédito.
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Ars Poetica 2
Não jogue seu verso no amor.
Jogue-o na morte, no vento, no jardim
dos cemitérios.
Lá envelhece a sua infância
aquela que o abandonou.
Acolhe ela.
E roube desde já
o velho que o espera
dentro do vago espelho
da terra.
Ao invés de versos dramáticos
sobre o amor que não o quer,
escreva sobre as traças
que habitam seu corpo, com você:
e constroem outra pessoa
nesta alma que não desata
mostrando ao mundo uma luz opaca
perto do fim.
Venha ver.
(Do livro Talvez um blues. São Paulo: Patuá, p. 102)
*
Para Cecília Meireles
A solidão mais funda foi aberta
por mãos ignóbeis, numa terra macia,
propensa à abertura de fendas e vazios.
Pedi à tua mão tão larga para que abrisse a casa,
mas do assoalho fizeste o mais tumular dos vales,
esses que de água não vivem, mas de superfícies ilhadas.
Ah Cecília, segura a minha mão, pois que minha solidão
também é de pedra, como a tua. Segura, não a deixe.
Leve-me para o jardim das violetas, onde agora habitas.
Ah Cecília, ensina-me, a custo, a suavidade das mortes:
olhar esse mundo de pedra como se de vidro ele fosse
desdobrar-me em sonhos, em nuvens, sair-me dele, incólume,
como as rosas que nunca morrem, suspensas no céu.
(Do livro A solidão mais funda. Itabuna: Mondrongo, p. 11)
*
Mar Antigo
Ouvi teu nome vindo
Do fundo de um mar antigo;
Parei tudo para senti-lo
Bem perto, ao ouvido.
Bem perto, como amuleto,
Ao avesso, qual sortilégio;
No centro, feito um verso
Que se deseja ter escrito.
Teu nome – um sacrifício.
Ou um vício, que os peixes,
Do fundo de um mar antigo
Deglutiram mil vezes.
(Do livro Poemas para Antonio, Salvador: P55, p. 4)
*
Vinte e seis anos esta noite
Talvez eu nunca mais o encontre.
Mas sua pele quente, seus dentes brancos
naquela cama arrumada na pedra mais alta
a denunciar a audácia, a coragem
somente para viver o que é mais simples e grandioso,
(seu corpo sendo a noite entre os males
que não existiam – e aquela lua caindo em nós
na eternidade fugaz de tudo que não morre)
resistam bem mais de que as tristes convenções
que a vida nos dá, em armadilhas de realidade
vivida e consumada. Mas como negar ainda
a curiosidade
da quentura de sua pele escura, da transparência
de seus dentes brancos, vindos de tão longe,
de tão longe, de tudo o que eu fui antes?
FELIPE
NOSSA ANGELA, QUE LINDEZA! : )