Quatro poemas de Antonio Souza da Cruz
Antonio Souza da Cruz é originário de Surubim, uma cidadezinha do agreste pernambucano. Nascido em 1971, mudou-se com a família para a periferia de São Paulo em 79. Atualmente trabalha nos Correios. Possui um livro publicado pela editora Patuá em 2015, O deus dos famintos. Sobre seus poemas, pode-se dizer que são marcados por duas paisagens principais: o sertão pernambucano e a periferia paulista.
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31 de dezembro de 17
Para adriano de almeida
Vejo tudo em sépia
Não, o primeiro dia do ano não me trará os dias perdidos,
a primavera que chegará não é renovação. Eu não me renovo
O sol de primeiro de janeiro não é fênix renascida.
Todas as frinchas janelas frestas para o deus dos umbrais,
e apesar da física quântica o ano morreu e o mundo dá
mais um passo para o abismo.
Não me venham com outros tempos:
tempo mítico, tempo cíclico quando o humano
plantou pela primeira vez a sua pobre roça ou
o poeta balbuciou o primeiro verso —tal tempo está perdido
não sabemos viver em um dia cósmico
de unidade perfeita.
Não se passa duas vezes pelo mesmo rio, a não ser por ti, Pinheiros
o fluxo do tempo cessou para ti, também esqueceram de te incluir como o quarto rio a circundar o inferno. É de tuas águas pútridas
que a noite tece o manto para o céu da periferia.
Minha memória é um porão abarrotado. Não tenho saudades .
O tempo não se renovará .
E Luís, minha gente? Será preso? Será morto?
Mais uma data, um feriado, um dado de iniquidade
mais história ?
Vejo tudo em sépia
Por isso me nego ao brinde em taças de cristais
O último dia prenuncia a morte de tanta coisa
do amor que deseja perdurar, brasas ainda acesas,
mas tantas outras findas, meu bem.
O tempo não nos verticaliza.
Por isso me nego ao brinde e
Renego tua boca.
*
Pequeno Satori
Não se atreva a desviar os olhos dessa massa
falida diante de ti
não se atreva
Então meu pai, não era do meu corpo
franzino de adolescente assexuado que os teus olhos desviavam
mas da antecipação de teu próprio corpo futuro
Não se atreva a desviar os olhos
embargar as vistas com lágrimas fáceis
encare a morte nua
Nenhuma metafísica ou
Kardec ou o sutilíssimo zen
são capazes de me explicar o teu corpo
que a morte transformou em minério
pedra, em coisa
Agora, meu pai, nenhum nome te cabe
Nenhuma definição te diz
Nem José
nem Zé
pobre,
nem negro
nem pessoa
Como o silêncio constrangedor depois do ultimo verso
de um poema
Nefando, apenas
*
John Yau lê Drummond
Não fiquemos tristes em razão da poesia não ser lida
a não ser por aqueles que não têm namoradas, e claro por outros poetas em busca de inimigos
Não nos entristeçamos com a morte da poesia
os homens não necessitam de poesia
a poesia é impossível. Não chorem a poesia
não enlutemos o coração dos homens com uma falsa tragédia
(são falsas todas as fomes alheias)
não incomodem os senhores e as ladies
deixem a mendiga morrer.
Pra que expor o vídeo de sua agonia nos telejornais
Façamos apenas uma singela nota
“Morreu de sífilis e com os olhos azuis”
eles entenderão
*
Flor
Vasto o botão guarda a
flor guarda o tempo guarda a
vida guarda
guarda a flor guarda o
tempo guarda a
espera guarda o mistério não
guarda flor exposta em
gozo o tempo presentificado
tudo à mostra em
superfície a maçã o corpo
a semente o sêmen
Adão guarda no
passado as horas
não esperam
a vida semear em tudo o
ovo espera os
olhos esperam
tudo espera o
término da tempestade na
luz da tempestade
satisfação e glória
de sobreviver
alberto
muito bom. algum site ou rede para acompanhá-lo?