Quatro poemas de Bruno Nascimento de Abreu
Bruno Nascimento de Abreu é poeta e pintor. Nascido em Ribeirão Preto em dezembro de 92, passou a infância e adolescência em Piracicaba e vive em São Paulo desde 2011. Tem poemas publicados nas revistas online Escamandro, A Bacana e um conto aqui na Ruído.
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Das plantas
Não crescem mais do que devem
Não devem alcançar nada mais vasto
que a terra,
o ar,
a luz
Põem-se em meio a ela
fincam-se no solo
mas não competem com a amplidão
em que se alastram
Se com frequência esmigalham o chão
e parecem invadir o espaço
que não era o delas
é porque nós as vemos
como animais repentinos
Mas não nos deram razão para isso
E é difícil entender que o movimento vivo
não é só do que anda, voa, arrasta-se
sobre o mundo
mas também do que vem de dentro dele
As plantas, aliás, não são desse mundo
feito de avidez e desejo
desfaçatez e brilho
Sim, vemos uma árvore
como uma vitoriosa e invejável
habitante do mundo
Mas ela não o habita
porque não o pode recusar
na porção que lhe cabe
porque não pode ultrapassá-lo
para chegar a ele novamente
(como fazem os seres
que procuram um lar)
Ela não retorna senão a si
Não compreende o espaço
porque não pode se apartar
Não se desloca, apenas cresce
Mas se quisermos continuar a vê-la
como um animal
ela seria como um bicho que se deita
e não pode morrer
E então passa a cantar seu canto de morte
sempre mais alto, mais alto
*
Difícil voltar ao mesmo caminho
percorrer de volta a trilha
a trilha
As árvores se sucedem como as gerações
antes da invenção da fotografia
Já não olhamos uma a uma
Seus troncos já não são montanhas singulares
que nos absorvem
Há uma só altura
e por ela voltamos
esperando
que nos chamem pelo nome
que uma voz conhecida
ou mesmo o vento
nos ponha novamente sobre o rosto
o brilho
descampado de um início
*
Fecha a porta à luz gratuita
Canta o interior das aves
que regressam
Escuta
como um caroço
o sumo à espera
de uma boca
Ouve como o escuro
é duradouro
no desejo de se abrir
a outro corpo como ao teu
*
Um pássaro tem de furar o ar
com a pura direção do corpo
quando o céu já não se abre
ao revôo das horas
Quando o escuro
detêm-nos pelas mãos
e já não buscamos deserto
a deserto a ideia
de uma asa
Então as palavras se espessam
juntam mofo às paredes
e o vento demove
os telhados sobre o mundo
A essa hora tudo são dunas
ruindo pelo sono
e pouco se ouve ao coração das portas
Mas se entendemos que perdemos
a mão da distância na escuta
e que a linha só se põe à luz
da agulha
o dia volta
a perseguir sua costura
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(Fotografia de Emily Mayumi)