Quatro poemas de Cafira Zoé
Cafira Zoé (Minas Gerais, 1987) é poeta, artista visual e cientista das coisas miúdas. Dissemina poemas via Poesia Expandida. Vive e trabalha em São Paulo, como artista na Companhia Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona e pesquisadora no Núcleo de Estudos da Subjetividade, com a orientação do professor e filósofo Peter Pál Pelbart. Os poemas abaixo compõem Tudo que é vivo corrói, livro inédito a ser publicado pela editora Fera Miúda, em 2019.
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reduzido encontro de poetas
comprimidos entre turvos glóbulos brancos
começam a chegar os cabrestos de ouro
alguns pesam o chumbo da história
outros o equívoco das horas
passadas a séculos de ferro
os vaga-lumes já apagados sentam-se atrás dos versos sanitários
aos poucos chegam os aeroplanos de asas partidas e junto a eles
despontam
no topo da ladeira
os alienados
a notícia é de que fora encontrada a caixa branca em meio aos escombros
puída pelo fogo, ainda se lê algo
o resto arde
*
autopoiesis brasileira
traço uma linha mal torcida
de carvão e argila
dos ombros ao tornozelo
Esqueço
marco uma linha branca
e contorno
três pedaços de chão
O centro oco
A parte só
segue fria
a navalha fina
3h56
a pá
pende profunda e balança
em tardes de sóis em transe
um ventre fundo de terra e sal
guarda memórias de sangue
*
empunho meu cavalo
empunho meu cavalo cor de sangue
acima dos cascos
como as ventosas aladas de um tubarão
empunham a água do mar entre os dentes
atando a primavera dos astros:
Dadá
Há uma espécie de fogo no coração
os elementos
cálcio, estrôncio, bário, rádio
o ritmo da combustão do tempo:
as mãos, entretanto, percorrem a calma dos pássaros
fósforo, arsênio, antimônio, bismuto
a composição dos átomos
é preciso escrever na pálpebra das pedras:
espasmos de concreto
a velocidade da luz
percorre o hipotálamo
desde os plânctons dos meus ossos
até o feixe de nervos que refaz a ligação entre os postes
façamos um tratado dos fenômenos associados às cargas elétricas
e nele se inscreva em primeira linha
dar a ver:
entre elétrons, prótons e nêutrons
é preciso ganhar o conhecimento capaz de eletrocutar o medo
até que a ponta dos dedos perca de vista
a composição erótica dos hieróglifos
*
sob o peso dos meus átomos
ferrugem ferro fermento fermentação nervos envergadura
levei um susto
o tempo dos meus átomos é tão violento
*
[1 avulso]
do mangue formam os três corpos de coisas que são como poucas
saturno é pêndulo sobre os meus ossos – embala o vai e vem da dúvida que me sacia entre o fogo e a água nos elementos do espaço. cobra-grande. tenho tomado gosto e quase nunca jeito pelo ofício dos estudos de alquimia, mulheres e pássaros. anoto também sobre os exercícios das plantas nos rodapés onde anoto sobre todas as outras coisas que são tantas e sem tamanho de régua para descaber sempre quando chego mais perto. gosto da palavra saga e quando a coloco à beira da palavra abismo. estudo para desconhecimentos em etapas de pântano. as águas dos rios, a saliva das línguas e a espera: esperma em devir de vênus entre-guerras: do mangue formam os três corpos de coisas que são como poucas que se mostram à crianças, troncos de árvores e telescópios. em fios de ouro e chumbo teço a trama de desejos pelo ministério de tudo que escapa. auscultar as pedras. não tenho muito tempo a gastar entre as linhas objetivas do espaço. as imagens e as palavras têm cada vez mais me tomado ciência no meu trabalho de espanto. é erótica a mão que tateia o vento na contramão dos átomos. às vezes, indiscretamente, desejo que sejamos todos pequenos tornados.
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