Quatro poemas de Calú
Calú (São Paulo, 1997) é gente. Dança, peida, sonha de olho aberto e tem raiva e amor do mundo. Os poemas que produz são grito, suspiro e gemido que não pode abafar mais. Vive pulando de pergunta à resposta, da resposta a um grande talvez. Seu trampo é língua, educação, memes e festa: dá aula de inglês online e organiza um evento poliglota – o Linguada. Quer seu corpo viajando o planeta.
*
manifesto da nudez
a primeira vez que um homem me viu pelada foi peculiar.
não havia conseguido trancar a porta do banheiro
Ele, como quem não quis nada, abriu a porta.
E lá estava eu:
mijando.
foi um susto do caralho.
não havia planejado assim
logo devia gritar
os olhos dele no ponto da implosão
ao som do meu berro ecoando no espaço.
E como tenho embutidos um coração que se emociona com primeiras vezes
uma alma que se desvaira na frente das coisas desconhecidas
uma ansiedade que me transforma em tragédia da natureza
naquele instante o ar precisou
suspender.
o tempo precisou
parar.
Vi num flash aquele homem frágil diante da minha peladeza
engraçadamente neste mundo de ódio ao frágil
Nosso ódio potente ao frágil como porcelanas alérgicas ao toque
buscando amor enquanto fugimos
pedindo solidão querendo colo
nesse mundo fantasiado.
É algo até inteligível.
já que o amor é mesmo esse bilhão de estranhos escancarando a porta dos meus banheiros psicológicos
sabendo horas do banho
todas as merdas cagadas
ouvindo cantoria desafinada
examinando travesseiros molhados
sabendo de sorrisos fingidos no espelho
sabendo da insuficiência eterna
terrível
Que desejo insaciável de deixar o mundo completamente nu
mesmo que me enforquem com tecidos!,
a procurar o olho limpo diante das coisas inéditas
a procurar o espírito disposto à humanidade autodescoberta
a procurar o peito que abraça dores e alegrias somadas
sem fingimento
sem anestesia
com verdade
viver a nudez ridícula com beleza
viver de alma pelada
viver de porta
aberta
*
Práxis (mantra-goteira)
Bucho e pinto murcho
Cu com hemorroida
Bucho e pinto murcho
Cu com hemorroida
Lambe boca e sangue
Lambe sangue boca
Boca sambe langue
Langue sambalouca
Baba em meu cabelo
Baba em minha testa
Baba em minha tuceta
Baba em meu sorriso
Cheira o meu sovaco
Come minha orelha
Pirocabeçuda
acre cheiro azedo
Tampa da privada
Mármore da pia
Chuveirin do box
Muchiba nas costa
Panta da trivada
mórbido da pia
Nuveiro do boxi
Cara de certeza
Beija os orifícios
Beija os orifícios
Como um pontifício
Beija Jesus Cristo
*
MODELO PROVA DISSERTATIVA
Nome:
Data: _/_/_
UM.
á. Que substantivo dá o ultimato do sol?
bê. Que adjetivo encontra a semiótica da teta?
sê. De quem é aquele germe adverbial que sobrou do beijo na boca?
dê. Onde começa e onde termina o discurso interminável prolongante do coito?
ê. Que pronome abraça o meu corpo virando a favor do sol que bate nas costas assustado?
DOIS
Obslembre a
Palavra:
s. Estruturado denso líquido zodíaco de
frankenstein tiradentes, tetris de seus corpos um jogo.
Considerando que BOCA é Mandrake Mister M,
a coisa que eu penso éa que falo
A que falo éa que escutam?
TRÊS
Analise as seguintes Cartas de Tarô não-nostradâmicas:
1. O Cuspe:
(flecha que vira alvo que espera a flecha)
2. O Signo:
espelho torto da casa mágica
3. O Dente
Muro, Sarcasmo, Bruxismo.
Diante de tal oroboros, dirias que “tudo é um labirinto de grande dor de cabeça, Absinto muito-demais pra andar em linha reta”?
BOA PROVA.
Nota: __________.
“De mentira em mentira a gente não se encontra. Essa é a beleza da transa.” (Górgias, tatuado em sua garganta)
Faça com graça ansiosa e terrível.
*
meus poemas já estão
Meus poemas já estão todos paridos.
os registro em cartório somente
Para que eu não os perca
de vista
para que possam ter nome e sobrenome e grito de guerra
para, se meus poemas assim quiserem
mudarem de nome
Viajarem o país se machucarem terem medo e coragem
Conhecerem gente fazerem amor serem hediondos.
Para casarem-se com o que quiserem ou morrerem sozinhos, uma pena. Mas se quiserem…
Para que se queimem por aí
Para gritarem com deus no deserto
Irem ao cabeleireiro fumarem maconha transarem.
Coloco meus poemas para sair de casa
porque eu não os aguento mais comigo
Nem eu posso comigo
imagine eles.
/
e (Para que me sobrevivam
Eu preciso arremessá-los à estrada mais longe
ao caminho mais perigoso
à fenda que não se vê o outro lado e só se pode ir pra cima
à seiva que não vê outra saída e vai até os confins do lençol freático
à metáfora que ficou tão em crise
Que cegou o olho da leitora
(amor do amor)
/
Que não passem borracha em nada do que provocarem.
Que deixem cachoeirar na natureza de tudo
Eu nunca estudei com suficiência
Meus filhos sabem mais do que eu.
Eu os registro porque
Quando eu morrer
Eles saberão cuidar das minhas memórias
De quem eu nunca fui e do que me guardava em segredo minha própria semente.