Quatro poemas de Carlos Gomes
Carlos Gomes é poeta, pesquisador e crítico. É autor do livro êxodo, (Poesia, Prêmio Pernambuco de Literatura, CEPE, 2016), Canções iluminadas de sol: entre tropicalismos e manguebeats (Ensaio, Ed. do autor, 2018), entre outros. É editor dos projetos de crítica cultural dos Outros Críticos, em Recife/PE, com publicação de livros, revistas e debates. Pesquisa sobre canção e crítica no doutorado em Teoria da Literatura da UFPE. Em 2019, lançará canções não, um projeto que envolve livro, disco e performance com poemas e canções.
A autoria da foto na página inicial é de Pricilla Buhr.
***
são corpos os que queimam no mar
dejetos salinas jesus gente
menina cabeça arfada de correr de fogo
gente jesus de correr são corpos
os que queimam salinas dejetos
jesus de fogo no mar são gente
menina são corpos de mar no fogo
gente arfada cabeça são corpos
jesus dejetos correr no mar de gente
são corpos salinas menina jesus
no mar de dejetos jesus queimam
são corpos
os que queimam jesus menina
no mar dejetos são corpos
no fogo gente
*
uma baleia morreu
está exposta na entrada da casa
bem-vindo,
é o que dizia a mensagem do tapete na porta
ninguém quer falar sobre tal acontecimento
não faltamos ao trabalho
nem deixamos de levar as crianças à escola
não falta pão, leite ou derivados
transamos regularmente
assistimos televisão
jogamos videogame, futebol e dominó
lemos jornais, atualizamos o feed
a saída agora é pela janela
isso mesmo, agora,
a saída é pela janela
não há bem-vindo,
como no tapete
mas não deixamos de ir e vir
o tapete custou R$ 1,99
e até que a baleia desapareça
diremos bem-vindo às visitas por sinais e absurdos
*
mãe inha
tá tudo escuro aqui
a lama derrubou a tevê da sala
quebrou, mãe
inha
chore não
ai, pai inho
o lobo derrubou a porta e as paredes de casa
quarto, sala, cozinha, banheiro
tá tudo espalhado em cima de mim
ai,
inha, inho
se encontrar as velas nessa bagunça
acende uma estória
tá quase escuro dentro de mim
*
há sangue antes da chuva
espesso, como leite maternal
na boca do dia, afeto que nasce
espirra das cavidades, ama
rega as plantas, os peixes
enche as garrafas, as taças
percute troncos e pedras
acarinha cabelos
nem vermelho mais é
nem dor mais, meu velho amor
amar sem vestígio a tua história
a chuva tatua na terra formas abstratas
sabe construir teses com matizes de cada pigmento
deita à margem e canta
ouve os gritos no ar
ficções são veios
escuta, fala
ergue a cabeça, escala a montanha
o morro, o ouro das minas
sê pássaro, voa
sê cão, foge
porque nem tudo que corre abaixo é rio