Quatro poemas de Deborah Dornellas
Deborah Dornellas é uma carioca criada em Brasília, que vive em São Paulo desde 2011. É escritora, jornalista, tradutora e aprendiz de artista plástica. Mestra em História Cultural (UnB) e pós-graduada em Formação de Escritores (ISE Vera Cruz). Em 2012, publicou Triz (In House), reunião de poemas. Desde 2013, integra o Coletivo Literário Martelinho de Ouro e participa de todas as publicações do grupo. Foi finalista duas vezes do Prêmio OFF FLIP (2015 poesia – 5o lugar; 2016, conto) e uma vez do Prêmio Sesc-DF de Contos Machado de Assis (2016). Por Cima do Mar (Patuá, 2018), seu romance de estreia, venceu o Prêmio Literário Casa de las Américas 2019, na categoria “Literatura Brasileira”.
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CAMINHO
estão me faltando pedaços
é o efeito do tempo
frágeis alegrias já não se (me) sustentam
coisas úteis, se fugazes
desprendem-se e caem do fio das certezas
piso nelas e me machuco
mas meus pés criam casca
*
MEMBROS
minhas mãos são mais escuras
do que a carne entre as minhas pernas
e ásperas vincadas
na ponta dos dedos há unhas ressecadas
e a pele se enruga em cada falange
formando círculos concêntricos
minhas mãos geladas às vezes ardem
às vezes se mostram às vezes são
às vezes me cabem às vezes não
já se acostumaram ao fogo e
ao contato com a água:
não se queimam nem se dissolvem
movem-se
fazem carinho comida sexo
lavam a louça a pia a roupa o corpo
minhas pernas só me levam aonde minhas mãos sonham
*
AMPULHETA
afio os sentidos nas ausências
amolo as unhas numa pedra
lavo o rosto com as mãos em concha
enxugo respiro e olho
no espelho não sou eu
com essa pele marcada
há pouco entendi que não governo o tempo
apesar de adivinhar horas e minutos
(olho para o antes
vejo o através e o adiante)
aprendi:
calo quando quero ouvir
falo quando quero dizer
deixo a areia cair
*
SALTO
daqui a dois passos
posso despencar num abismo
e nunca chegar ao fundo
ou
tropeçar e cair no chão árido
das margens do buraco
e me salvar da queda livre
ou
construir uma ponte pênsil
e atravessar a garganta
onde lá embaixo
ruge o rio turvo
ou
desenhar um trampolim
pronto para o mergulho
e saltar de olhos fechados
ou
tecer uma teia no vazio
e me enredar nela
para capturar insetos
e comê-los inteiros
mortos ou vivos
se estiver com fome
ou
chegar a um espelho d’água
onde enxergue minha imagem refletida
e ela me diga: teu nome é narciso
ou
acorrentar meus tornozelos
a uma pedra imensa
com destreza formidável
então
bater muitas vezes as asas que não tenho
para alçar voo sobre o vale
de onde veria que tudo se move
ou
perceber simplesmente
que o espaço
é o cumprimento
do tempo