Quatro poemas de Edimilson de Almeida Pereira
Edimilson de Almeida Pereira (Juiz de Fora, Minas Gerais, 1963). É docente de Literatura Portuguesa e Literaturas Africanas de Língua Portuguesa na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora. Na área de antropologia social publicou, dentre outros, os livros A saliva da fala: notas sobre a poética banto-católica no Brasil (Azougue, Rio de Janeiro, 2017) e Entre Orfe(x) e Exunouveau: análise de uma epistemologia de base afrodiaspórica na Literatura Brasileira (Azougue, Rio de Janeiro, 2017). Seus livros de poesia mais recentes (2017) são E (Patuá, São Paulo), Caderno de retorno (Ogum’s Toques, Salvador) e Qvasi – segundo caderno (Editora 34, São Paulo).
Os poemas abaixo foram extraídos de Guelras (Belo Horizonte: Mazza Edições, 2017).
***
País-intempérie
A placa ocupa com um nome o atlas.
Nome que tua esposa pendura
à cabeceira da mesa.
Nome escuro entre-os-dentes.
A placa tectônica
[ou país com faisões e estandartes].
O secreto arroto da placa repõe
no outro lado da fronteira
tua esposa e filho.
Não percebes, atento estás aos estudantes
de história que refazem
a geografia.
*
Persona
A inocência fora de seu tempo ameaça como
os saqueadores. Isso seria um argumento, não
fosse a carne exposta. Inocentes e saqueadores
compram alimentos, vão ao comício, se apertam
e, por um segundo, desenham a linha sem norte
da intolerância.
Entre vozes perdidas, uma canção vidente.
Não é por ela que a tarde paralisa e avança.
Turbulento navio.
Por tão explícito motivo, a pele que antes nos
cobria, escama-se.
Na desnuda paisagem, vocifera a infância.
*
Eixo
Alguém, nessa noite, pensa em ti
com tal força que desvia o curso da flora.
Poderiam, ambos, retificar
o uso dos sistemas: letra,
número,
intenção ou gesto nessa fração noturna,
não são mais do que celas
em desalinho.
Saquem os apetrechos.
Não importa a contenda que se arma
– às armas.
O que julga saber e os que julgam
são uma esteira, apenas,
para a mudança da flora. Nessa noite,
em que alguém
pensa forte em ti e absorves
o pensamento imenso,
nessa noite,
o que nunca pudemos ser está pronto.
*
Fúria
Se desatares, não será
num golpe
de cólera.
Não será ao modo
fera
de quem doma por
desmando.
Não será no segundo
anterior
ao grito – ignoro
se romperás o casulo
e o pranto.
O dia em que desatares
– lótus
que vai, aos poucos,
rompendo
o cemitério-barco,
serás
o que
não se espera
da ira,
quando eclode.