Quatro poemas de Edson Amaro de Souza
Edson Amaro de Souza é professor de Língua Portuguesa da rede pública estadual do Rio de Janeiro, poeta, tradutor, contista e ator. Publicou, pela editora Buriti, sua tradução do romance “Valperga”, de Mary Shelley e, pela editora Fragmentos, seu primeiro livro de poemas, “Ouro Preto e Outras Viagens”. Em Portugal, um dos seus contos integra a antologia “Contos da Língua Toda”, da editora Alma Azul. Participou da primeira montagem de “Um Não Sei Quê que Nasce Não Sei Onde”, de Maria Jacintha, no Teatro Municipal de Niterói, para lembrar os 20 anos de falecimento da autora e os 50 do golpe militar de 1964.
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RETÓRICA
Ver no Vale dos Contos, meu amor,
O Sol espreguiçar-se sorridente;
História respirar por onde for,
Um pouco me sentindo inconfidente;
Beijar nossa Irmã Água em chafariz
Onde já foi beijada por poetas;
A Congonhas subir para, feliz,
Ouvir os mudos brados dos profetas;
Degustar alvos queijos todo dia
– Da cor do fog, lençol da cor da lua;
O que mais o meu peito pediria?
Toda manhã tocar tua carne nua!
______Que coisa julgo, amor, mais excelente:
______Ser rei ou de Ouro Preto um residente?
(24-08-2014)
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SE…
Se os senadores fizessem hemodiálise…
Se o prefeito morasse em Vigário Geral…
Se os deputados vivessem em quilombos…
Se aquela repórter tivesse Síndrome de Down…
Se o tenente fosse homossexual…
Se o governador fosse deficiente visual…
Se um índio fosse nomeado cardeal…
Se tivessem eleito Patativa imortal…
Se o presidente ganhasse salário mínimo…
Se os juízes tivessem passado fome um dia…
Mundo, mundo, vasto mundo…
Se eu me chamasse Raimundo
De que adiantaria?
Quando houver reforma agrária,
Eu te peço em casamento…
(13-10-2006)
*
NÃO TEMEREI MORRER EXCOMUNGADO
___________À militância do grupo “Católicas pelo Direito de Decidir”
Nestes versos tabu enfrentarei
Que tanta gente pobre deixa morta.
Jamais em meu silêncio aplaudirei
Uma lei que condena quem aborta.
Pra salvar as mulheres eu direi:
“Um Código busquemos mais humano!
Não quero obedecer ao Vaticano!”
Se livres pra pensar nos diz o Estado,
Com dogmas nossas mãos nos tem atado
Nos dez pés de martelo alagoano.
Médicas e juízas não têm medo
Quando sentem prenhez indesejada:
Pagam por segurança e por segredo;
Fácil fazem a escolha interditada.
Tal não se dá co’ a pobre favelada:
Ela arrisca seu corpo a grave dano:
Proibir não impede que aconteça
E que só gente pobre assim faleça
Nos dez pés de martelo alagoano.
Na Europa é direito garantido,
Como aconselha a sábia OMS,
Mas aqui nosso Estado emouquecido
Jamais ouve quem tal drama conhece.
É tabu nos palanques omitido
Desejar reduzir tão grande dano,
Pois se teme um IBOPE leviano.
Portugal libertou-se em referendo
Debatendo na praça o medo horrendo
Nos dez pés de martelo alagoano.
O Uruguai logo ali teve Mujica
Que o problema enfrentou com tal coragem:
A mulher oriental não se complica
– O governo lhe dá justa abordagem.
No hospital, livremente ela se explica,
Conselhos recebendo quanto ao plano,
Mas, se não a convence o bom decano,
A semente da estufa é removida,
Da mulher se salvando a jovem vida
Nos dez pés de martelo alagoano.
Portugal e Uruguai neste caminho
Estatísticas viram reduzidas;
Derrotaram o tal tabu daninho
Protegendo das jovens tantas vidas.
No Brasil feito igual eu adivinho,
Basta não mais temer o Vaticano
Nem fariseus iguais Feliciano.
Não temerei morrer excomungado
Após o bom combate ter travado
Nos dez pés de martelo alagoano.
(27-06-2016)
*
MARIELLE
Não passará jamais, guerreira, em branco
A negra dor por tua ausência branca;
Na cadeira vazia a frase é franca:
Ninguém te calará, Marielle Franco!
Porque amar é complexo não arranco
Das minhas mãos a culpa que me espanca
As fáceis soluções que a mídia banca
E desaguam nos lucros de algum banco.
De tua morte sou cúmplice se me omito.
Às vagas da Maré entrego um grito
Para que não haja vagas na corrente
Dos galos que, cantando juntamente,
Semeiam do amanhã a sã semente.
Que tua luz ofusque o falso mito.
(18-03-2018)