Quatro poemas de Edson Flávio
Edson Flávio é cacerense, doutor em Estudos Literários pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) onde, atualmente, é docente e pesquisador na área de Literatura. Amante da poesia, escreve desde quando ganhou seu primeiro concurso, ainda na escola. Pretende publicar seu primeiro livro em 2019.
***
a cicatriz
o tempo passa e descubro minha cicatriz.
o filete tênue de carne.
a transparência do ferimento,
toda exposição da minha fragilidade delicada.
ao tocá-la, vejo que foi necessária a machucadura.
a marca eterna do corte transversal.
como memórias de uma cesariana, fecho os olhos e vejo o jorro de sangue por entre as mãos
a debilidade dos movimentos infantis.
dor que me vai por dentro e toca o coágulo dos sentimentos secretos.
o arrepio frio do vento da madrugada gelada
prazer molhado e quente, como
o beijo…a navalha sutil.
adeus.
*
da tua boca
oca
ouço
preso no calabouço
d´alma (sem)
calma
sinto (não)
minto (?)
busco seu
busto, a todo
custo
quero seu
colo, seu
peito
inteiro, seu (a)
braço
largo
seguro
duro
corpo
morto (?)
apressado
urgente
agora.
*
Seus olhos
útero, berço, regaço.
quanto de mistério nesse olhar.
numa retina nua.
devoras-me.
como esfinge: interpela-me.
sabes o enigma?
sem encantos mágicos.
apenas olhas-me.
enxergas-me os ossos.
como no livro do salmista
sondas, perscrutas, cercas-me.
sou todo no seu olhar.
sou todo dentro de ti.
cristais.
condenado na prisão vítrea para sempre.
*
eu te quero mais do que eu tenho do querer em mim.
és-me necessário como o ar.
sinto-te entranhado em mim e ao mesmo tempo te estranho.
como estrangeiro em terra livre
vagas vagarosamente.
tudo vês.
tudo sabes.
no avesso de mim te encontro
com a mesma face de outrora e sempre.
exegese e êxtase eternos.
tu, rosa-dos-ventos.
eu, barco à deriva.
tão distantes
tão próximos
tão diferentes e
tão iguais
água e óleo num mesmo pires
sendo achatados pela xícara matinal do cotidiano.
umas vezes, caminhamos de mãos dadas num jardim colorido de um dia lindo de sol
outras vezes, presos à vácuo num invólucro incolor, insípido e inodoro dentro de nós mesmos.
(as)sim! (sobre)vivemos.