Quatro poemas de Fátima Pinheiro
Fátima Pinheiro nasceu em Bagé/RS e vive no Rio de Janeiro/RJ. É psicanalista, escritora e artista visual. Lançou o livro sim, é (BLANCHE/PR), em dezembro de 2020, na Livraria Argumento/RJ. Publicou poemas na “Macabéa”, “Mallarmargens” e na edição anual da “Zunái” (2020).
Todos os poemas abaixo integram o livro sim, é.
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na minha boca ameixa
nesga
rutilante e rubra
que a língua fere de leveza
oríkì de orí jaguar
que ia nas plantas
nem tocando
só os olhos asas
vinham
*
uma palavra é um poema, mesmo que me digas que não.
parece clareira,
luz cortada pelo samurai.
às vezes, é ganzá, lasca fina tirada do tronco.
uma palavra é um poema, mesmo que me digas que não.
é solilóquio, invernia sobre as canoas,
frase brilhando desde a garganta.
árida flor de espinheira no manancial.
uma palavra é um poema, mesmo que me digas que não.
*
não posso sorver em espasmos a luz da navalha.
só posso jogar ao solo um feixe de antúrios,
porque em mim só o que me falta existe.
eu aprendo a soprar no papel de arroz
a música do corpo escuro descoberto.
e quando as cortinas escutam no silêncio o silêncio,
o futuro das palavras será o último favor noturno:
jazz na boca de quem fala.
*
o bule de chá fervendo não ouve a voz de nina simone,
não ouve os flamboyants lá fora,
nem o mazar suave dos limoeiros.
o bule de chá fervendo não vê o abismo nô,
não vê o fulgor de dois olhos entre folhas tímido cicio,
nem as cassiopeias em flor.
dentro da xícara de argila,
a voz ancorada de nina corre nômade,
ofegante,
que nem boca lundu,
xucra voz de lumaréu:
zumzumzum, ulula, me bebe de chá.