Quatro poemas de Felipe André Silva
Felipe André Silva é cineasta, confeiteiro de ocasião, e poeta autodeclarado, natural de Recife (PE). Não está compondo sua tese de mestrado pois nunca foi aceito na academia. Lançou em 2018 a plaquete o escritor antônio xerxenesky e para 2019 prepara o backhand de pete sampras; faz votos que ambas sejam lidas.
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pictionary
ouço encravadas nas paredes
as passadas
engasgos insulares
o engarrafamento fim de tarde
estou cá na caverna
há areia que desliza enganadora
pela fissura no teto
mas ainda há tempo
ouço retumbante o coração
percussivo enganador inabalável
um ritmo
tão tão desimportante
há muito fecharam as portas
dos karaokês
silenciaram os microfones
tombaram os copos
mas ainda há tempo
boa noite boa noite
boa noite
que ainda há tempo
leia as matérias dos jornais
e das revistas veja as fotos
ao ver o colorido na revista
você recorta as figuras?
guarda os ímãs de geladeira
da pizzaria da água do gás?
sabe descrever em detalhes
o último capítulo de dom casmurro
sem deslizar relógio adentro?
não tem algo melhor a fazer
nesse fim de tarde
*
despedir-se (três vezes)
baixa imunidade
o que é
o que causa
o que fazer
em porto de galinhas
em olinda
em recife hoje
protesto
tornado
chuvas
orográficas
de amor
no nordeste
quem ganha para presidente
tem horário de verão
o que quer dizer a palavra vigia
e ora
e orando não useis de vãs repetições
como os gentios
que pensam que por muito falarem serão ouvidos
dificuldade para respirar
e dor nas costas
e tosse
a noite
os trabalhos
e alejandra
devem ser precedidos
por qual tipo de documentação
trabalhista
ortodôntica
básica
preta ou branca
ou cinza-marrom
em inglês é a mesma cor
mas se tem outro nome
é outra
semana sem cartoon
semana sem dançar
semana sem jogar
aprendi a jogar com você
quando olho pra você
lembro que deus (cifra)
lembro que te vi caminhar (letra)
lembro que tu nem me dava bola (no café)
existencialista
da manhã
mão com mão pé talvez
talvez não mais nessa vida
o nariz suje os óculos
bem
não
ponha a perna para fora da janela
se não quiser conhecer a selva
e o mar
onde morri
peço encarecido que me reze uma missa
*
jamiroquai on lsd
afinal quem se mexe
são as paredes
ou é o chão
se tenho sede o escaravelho me sacia
é o chão
ou são as paredes
que se mexem afinal
preciso que você use use use use use
sua imaginação
*
narrativa triste 033
no primeiro andar está instalado o café
temporário. o atendente toma seu tempo.
horário de funcionamento quatorze as
vinte. o atendente sussurra entre
dentes as imensas possibilidades que
aguardar na saída podem oferecer. não é
uma história de amor. a imensa maioria
dos poemas de safo se perdeu com o tempo.
ouço falar de algo que é safo. é lascivo.
belo mas sabidamente custoso. afaga o cume
da cabeça nas noites de frio mais intenso
(dezoito graus para os iniciados). o afago
golpeia. a imensa maioria se perdeu. tempo.
faltam três horas ainda. não sabe se vai
mas sabe que permanece. abre a página.
cai a lua caem as plêiades e é meia-noite
o tempo passa e eu só, aqui deitado,
desejante. distrai-se em safo. amar como
ama o adolescente aflito às quinze horas
na entrada do cinema. o atendente toma
seu tempo. se pudesse definir a rota
se moveria Αθηνά Μύκονος Δελφός Θῆβαι
e tudo isto de cabeça já que ninguém
jamais deu a devida atenção ao mapa
da grécia. safo pode ser a maneira com
a qual sentiu o dinheiro ser depositado
na palma. as pontas lisas dos dedos longos.
que mistérios cabem a uma falange investigar?
permanece. sai. semelhante aos deuses
parece-me que há de ser o feliz mancebo
que sentado a tua frente ou ao teu lado
te contemple e em silêncio te ouça
a argêntea voz e o riso abafado do amor.
o atendente toma seu tempo. a fila anda.