Quatro poemas de Fred Spada
Fred Spada vive em Juiz de Fora (MG), é poeta e um dos editores das Edições Macondo. Publicou o livro Arqueologias do olhar (Funalfa, 2011) e a plaquete Coleção de ruínas (Macondo, 2014) e mantém no YouTube o canal Juiz de Fora – História lírica (https://goo.gl/MnfohA). O primeiro poema é inédito, parte do projeto O vermelho no caminho, em parceira com o fotógrafo francês Antoine Le Roux, e os demais foram publicados apenas nas redes sociais.
***
O CAMINHO se revela menos
pela estrada que seguimos
do que pelas margens
que nos rodeiam:
não é como o rio cujo leito vive,
mas como o corte que talha a carne
e deixa marcas sobre a pele:
caminhamos sobre cicatrizes.
*
FOI M. quem me disse
que um lar é onde
estão nossos livros
e vê-los assim
aos montes
disputando o exíguo
espaço das estantes
me faz pensar que
mais que um lar
a biblioteca se transformou
num solo sobre o qual
pesado
finquei raízes
Mudar-me então
consistirá menos
em transportá-los
de uma casa a outra
e mais em agir como planta
que para mover-se
lança suas sementes
ao vento
*
Perdemos todo dia
visitando livros antigos
(Otávio Campos)
O SILÊNCIO da biblioteca
exagera os risos cúmplices
que não contemos,
enquanto folheamos
seus livros proibidos.
A saliva na ponta do dedo
sugere outras ações
às quais estante e mesa
servirão de apoio.
As roupas não carecem
do mesmo cuidado
que um in-fólio
para serem abertas;
demandam alguma violência,
como se de páginas rasgadas
se tratasse.
Abres-me o livro com volúpia.
Exploro-o como quem procura
a exata palavra
em meio à página que tateia,
a boca se perdendo numa língua
que desconhecia.
Escrevo sobre tua pele
o poema que me sussurras,
como quem desenha
uma carta náutica
antevendo no branco do papel
o tesouro a se conquistar.
*
Instinto
Como os gatos
aprender a se pôr à espreita
em silêncio
calculando o ataque
com frieza e exatidão
estar também preparado
para a fuga
antever a ameaça
projetar o salto a corrida
ou a imobilidade
mas sobretudo
aprender a quem confiar os afetos
e recolher as garras
quando a pele do outro
sabe ao toque delicado dos amantes