Quatro poemas de Gabriel Leva
Gabriel Leva nasceu no interior de São Paulo em uma cidade dormitório e lá viveu até a Faculdade. Hoje, é estudante de psicologia, pesquisador de literatura e filosofia francesa e busca na poesia uma ontologia descritiva dos próprios sentimentos antes mesmo de saber o que ontologia significava. Tentando organizar a bagunça em verso, escreveu Lagartos, publicado em 2019 e avança sua estética na busca um Outro-Lírico com o qual possa corresponder, na busca de reencontrar e transformar os velhos sentimentos em outra coisa, redenções ou maldições.
***
Canários de sol amarelos
você me diz
que os astros
são importantes demais
*
e que devemos
olhar para o zodíaco
*
eu acredito somente
na medida em que vejo
um raio de sol
se esconder na sua pupila
*
eu digo
que soltei meus canários
tão queridos
das gaiolas
de estimação
*
você me desmente
sabe que eles
escolheram fugir
*
apago o sol na janela
e sem pupilas
ou raios de luz
me deito ao lado das grades
e das penas
*
Dançando no hall
Não convido mais ninguém
à sala de estar.
Agora eu só me relaciono pelas bordas
e pelos corredores.
*
Pelas beiradas e esconderijos,
com as pulgas e os ratos,
amor ilegítimo,
contrabandeado.
*
Afetos traficados,
pelas fronteiras de nossa pele.
*
Secretando, silenciosamente, o meu veneno.
Deixo-me absorver aos poucos.
*
Não vou a lugar algum,
não realizo nada,
senão minha própria morte.
*
Senão o impulso
de manter viva, em ti,
a lembrança mais marcante,
mais presente
e mais avassaladora.
***
21
Para Lucas
*
Os teus olhos se perdem no ar
e eu não sei dizer da inocência que eles anunciam
porque eu conheço a tua história
e da minha perspectiva
nada se encaixa
*
teu olhar flutuante
é como se fosse livre
de uma liberdade que eu jamais alcanço
*
tudo na tua performance
me assusta como uma grande chuva de meteoros
*
mas esse magnetismo
essa euforia onde sou jogado
esse terror sem nome que invade meu coração
que gostaria de chamar de amor
*
porque emana do teu corpo
como uma razão externa da minha alegria
*
emana do teu jeito de performar a vida
e eu me calo para impedir
os anseios pela tua destruição completa
*
os anseios de me destruir em ti
*
a mesma incerteza que me acorrenta
faz com que eu me debata
num berço de judas
entre o deleite e a agonia
o sonho e o delírio
*
caminhas como quem dança
danças como quem ama
amas como quem se liberta
*
que eu me sento pra escrever algumas linhas
debaixo do meu entulho
*
politiza
vai e espalha tua carne
tua voz
tua presença
preenche o silêncio com vulnerabilidade
encerra os espaços que nos rodeiam
*
jamais entenderei o que tens
que eu quero tanto possuir completamente
ou destruir completamente
*
ambas empreitadas de fracasso contínuo
*
voa como uma borboleta
que eu te observo como que preso
paralítico
que eu te toco como que morto
*
até o momento em que te preencho
*
o meu sangue
vivo
pulsa
*
aquele encontro
que é só nosso
que tão rápido desvanece
*
tão livre
tão mariposa
*
antes de gritar
agarro a minha garganta e
me enforco
(auto afogamento)
prendo minhas mãos aos tijolos
parto meus joelhos em mil fragmentos
*
acorrento o camaleão
o espírito da noite
minha face crepuscular
e o corvo
que deseja te destruir completamente
*
depois também desvaneço
como que enterrado
como que submerso
num atoleiro
*
de sonho
*
de sonho e de delírio
***
Não escreverei sobre o não dito
não direi que te amo
porque sinceramente
não saberia fazê-lo
não saberia senti-lo
*
não direi besteiras sobre as flores
ou sobre os teus olhos negros e pesados
sobre tua pele branca
tua carne firme
*
porque isso não me atormenta
ainda agora que me caem os cabelos
e as olheiras cavam
os mais fundos sulcos
nos meus olhos e no meu sorriso
*
não é que o coração doa
quando escuta uma frase sobre ti
é que ele dói ininterruptamente
*
não direi que te lembro
porque não lembro
te esqueço a cada segundo
te jogo fora como porcelana maldita
*
nem das noites que passamos agarrados
nem das tuas pernas
nem do teu cabelo
nem do jeito que mordias meus lábios
ou cheirava o meu pescoço
*
não te darei o benefício da dúvida
não te deixarei sonhar
debruçada sobre as probabilidades
que são todas inalcançáveis
*
não eu não direi que tu és o diamante
que eu tanto procurei
até gastar as pontas dos dedos
mas direi a verdade
e sempre a dolorosa verdade
que tu és o estilhaço do espelho
de um amor que um dia eu amei
e se partiu em mil pedaços
e que eu os procuro agora
com os olhos machucados demais
para reconhecer-te como diferente