Quatro poemas de Gabriel Sanpêra
Gabriel Sanpêra: nascido em 1997 na cidade de Barra Mansa, interior do Rio de Janeiro. Vive atualmente na cidade de São Paulo. Estuda Letras na Universidade Anhembi Morumbi. Poeta e Educador Social. Autor de Fora da Cafua (Urutau, 2018).
***
Hibisco
hibisco
chá de hibisco
e lápis para desenhar hibisco.
o hibisco tem uma abertura engraçada
engraçada e majestosa das tripas arreganhadas pra fora
num salto de desespero pela primavera.
hibisco e chá de hibisco
num desejo
desespero
anseio
de tomar algo
que é só pro corpo acalmar
com água fervente e hibisco adentro
que é chá na xícara e que de alguma forma me preocupo.
parecido com o ato estranho
de esquentar folhas na panela
pelo simples ato de tomar chá
sem saber o quê é o quê.
hibisco e chá de hibisco
rodando nas engrenagens
até que dilua e se torne urina.
que é preu sentir o calor por dentro do corpo
que eu me importo.
hibisco
pois café tira o sono
e o sono me atrasa
acabo capenga
e por erro
acordando dez minutos
após meus sonhos
meus dilemas
que hora se tornam gente de corpo carnal
gente de tempos atrás
ou calçada sem asfalto com o surgimento do tropeço.
*
Geral Notou
Geral fez escândalo
acenou
notou.
Que a esquina sempre aperta e vira minúscula por volta do meio dia.
Um corredor
Paredão de homens
Nas camisetas Flamengo, Fluminense, Santos.
Gera notou, acenou e fez escândalo.
Que naquele momento geral
mais homem que
macho suficiente pra…
forte, impotente
Geral naquela hora era rocha que se der pancada não sai uma gota d ‘ água.
Passando pela esquina da praça do bairro.
A curva parecia uma eternidade
Eu me sentia num telão enorme
Como se naquele momento eu me tornasse uma filmagem em câmera lenta nos olhos deles.
Geral notou
berrou
que a bicha precisa de festa
de palanque
que eles dão quando gritam boiola e imitam rebolado
na voz engraçada que flexionam a garganta para imitar.
E a curva uma eternidade.
Geral notou
que eu olhei pra frente
fiquei em silêncio
e não reagi.
Geral matou
As minhas vivências.
Num instante
a praça
o posto de saúde
escola
ponto de ônibus
festa de bairro e porta de igreja
Respingando nos meus documentos
E estes sumiam com meu nome.
Num instante
não quis mais a praça
o posto de saúde
porta de igreja que é pra sentir o calor da tentativa de perdão.
Não quis festa de bairro
Mureta de vizinha e porta de escola não.
O bairro foi adentrando o estômago
Deu volta nas entranhas e sumiu na diarreia da manhã.
E quarto aumentou de tamanho
Os livros aumentaram
O café sugou a vontade de água
E a televisão de frente dia noite dia noite e dia.
Não quis mais a curva
Que era lá então
que geral me notava.
Não quis mais ar fresco de bairro não
Que onde quer que eu fosse
geral queria mostrar que notava.
Me ouvir não
Me trancar
Pra que geral não notasse mais
E eu me tornasse a mentira do século
Pra que eu cumprisse os sonhos do matrimônio, o filho, a profissão dos sonhos destes que não queriam mais ter de me notar borbulhando em movimento nas ruas de casa.
Geral notou
Escorreu das minhas mãos bairro e lágrima
Que eu havia perdido o berço numa barganha de associação
E num instante eu não seria mais de lá
Onde geral notou.
*.
Balanga infância
este balanço tombado
de atrapalhar meu tombo
de enguiçar criança e me fazer desistir de ser rua nas tardes.
este balanço tombado
na praça com outdoor e anúncio
este balanço sem um dos lados
tombados
que podia ser motivo preu sair da casa
e dar com os pés
os braços no vento.
este balanço tombado
na pracinha de encostar o corpo tem dia.
que antes era lugar que a gente brincava os minutos de chupar o bico.
e agora na janela
o balanço tombado faz aniversário junto a mim.
sua praça um canteiro de obras
um canteiro de guerras
um canteiro de luzes vermelhas piscando no holofote de encarcerar negro.
um canteiro de obras
um canteiro de guerras
no encontro das nações que eu cresci vendo ser facções
com suas dicções
e demonstrações debaixo de Sol e estacas de pipa.
um canteiro de obras agora
mas se me perguntarem
vou dizer que já brinquei
[vou dizer que aquele balanço aguentava o meu corpo e não era tombado pro lado].
*
Acento
acento, aceno.
atraí uma multidão
fui elogiar, esbarrei no teclado
e saiu uma coisa que não tinha acento.
um bicho com o som diferente
noutra forma
agora sem acento.
uma multidão em volta de mim
preu arrumar o acento
preu não perder a chance de salvar a língua
preu ajudar todo mundo a seguir o dia bem
com o acento no lugar sem erro.
uma multidão
enorme
com olhos de cratera
[ escrevi errado ] ato falho.
atraí uma multidão
o acento
acento.
matei metade do coração
segui o dia sem o acento
e falei sem o acento
que era preu sentir de novo o gosto
da minha língua
no dia que o ponto zero deu início e iniciou o primeiro rio de saliva.
do tempo que eu falava livre
aí veio o moço
reprimiu meu acento
que fala de preto é coisa de sujeito desajustado
sem norma culta no culto.