Quatro poemas de Gabriel Yared
bus stop
quero beijá-lo
— devo?
seus tímidos olhos evitam os meus…
mesmo assim, em vislumbres, noto a euforia
também em meu peito algo revive
seus trêmulos dedos agitam os meus…
assim sinto, em ondas, seu desespero
também minhas pernas bambeiam
seus grossos lábios convidam os meus…
em meio à timidez, vejo o desejo
também minha boca anseia
posso beijá-lo?
— deve.
seus negros olhos encantam os meus…
com determinação, faço uma escolha
também ele me escolhe
firmes, suas mãos envolvem as minhas…
em um choque, percebo que não há volta
também dele me aproximo
seus doces lábios, leves, nos meus…
em explosão, meu coração se acende
também ele se deixa levar
nos beijamos
— num ônibus, partimos
*
(de uma tarde em que deitamos tranquilos)
um dia me deitei sobre teu peito
e pude ouvir tuas palavras surdas
poesia compassada
ritmada
em métrica
não só me dizias que me amas,
como o emanavas
tranquilo
acalento
promessa.
me surpreendi:
não sabia do coração poeta!
*
amargo
é amargo
me viola as papilas
me estraga, aperta
me pesa debaixo da língua
eu amargo
a cada hora que passa,
a cada resposta não dada
a cada ato que vai
não volta?
é amargo
odeio deixar que isso cresça
odeio ter que fazer essa escolha
escolha que com força imposta
eu amargo
porque não me é dado
porque não devo esperar
cada vez que tu for
não volta.
*
não devo ignorar
eu sei que não devo ignorar meu
sentimentos incômodos e incertos;
por mais que eu me sinta bem
quando estão fora da minha vista,
no canto do olho me aguardam,
crescem, inflam, sussurram.
assombram-me, tomam conta;
quando percebo estou afogado
sufocado, apagado, cansado:
perdi o controle.
e o ar, bloqueado no peito, não passa
por essa bola de pelo entalada.
agora, que ela é tão grande,
fica tão difícil de expulsar…
quando finalmente romper
os limites de minha tensa boca,
putrefato será;
purulento, nojento.
você vai olhar com ódio
e eu, culpado,
vou desejar jamais ter sentido
pouco que seja por você.