Quatro poemas de Heloísa Gusmão
Heloísa Gusmão, mineira e curitibana, tem 26 anos. Formada em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná, atualmente é mestranda em Filosofia Medieval pela USP. Ensina latim e, desde 2019, escreve poesia nas horas vagas.
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Noli me Tangere
(em memória de Felipe Martynetz)
És delicado, amor. Como um chinês
vaso esmaltado. Tu és delicado.
Quero tocar-te, mas tua frágil tez
parte-se toda ao toque abrutalhado
do tato meu. És louça que se guarda
na alta vitrine do não alcançável.
És sonho meu. Longínquo se faz barda
para afastar o ataque irretocável
desse amor meu. E eu só de contemplar
tantas muralhas de precários cacos,
desejo me partir e não quebrar
os restos teus. Um prato ornamentado
na cristaleira do relegado…
És louçania, mas não me é servida.
*
Heloísa e Abelardo
Não colhas do meu corpo a doce flor
Que a noite acerba em negro véu cobriu
E a terra em seiva cúpida esculpiu,
Restando um roto e pálido rubor.
Mas beija em pensamento, com tua alma
— e desse amor corpóreo nos exime —,
Na chama etérea de um querer sublime,
A flor do meu pensar (nas mãos, espalma).
Eternos, nem a morte nos separa,
Pois nada passageiro nos uniu.
Perene é a Sapiência, o vero amor.
Desposa a minha Ideia, que é flor rara:
Não plantes nessa terra amor febril,
Não colhas do meu corpo a doce flor.
*
Poema IV
A bela voz
da Musa
que pulsa
no peito
o preceito
do canto,
enquanto
meu pranto
escorre,
não morre.
A arte,
destarte,
é parte
do ouro:
o tesouro
e louro
da escrita;
que grita
e dita
ao artista
que a vida
é vista
despida,
se ouvida
a bela voz
da Musa.
*
Invocação a Safo
Canta, ó musa.
Não aquela, etérea;
Mas tu, possessa.
Dedilha-me; canta,
Ó lira de Lesbos.
Canta, poeta,
Os hinos das filhas
De Vênus, que em festas
De flautas, em línguas
Deíficas, múltiplas,
Com bocas humanas
Amaram, mortais.
Dá-me palavras,
Dá-me teus beijos,
Amemos, amiga,
Acorda minh’alma
Que dorme em teu seio.
Cantemos, ó Safo,
As formas efêmeras
Em hinos eternos.
Pois tudo que é Tempo
Só brilha, só existe,
Se aqui é cantado
Por línguas e dedos
Humanos, carnais.