Quatro poemas de Henrique Duarte Neto
Henrique Duarte Neto é poeta, crítico literário, professor e funcionário público. Escreveu vários livros, entre eles os de poesia: Musas seguidas de poemas filosóficos (Florianópolis: Insular, 2019), Provocações 26 (Curitiba: Kotter, 2019) e 34 pequenos exercícios poéticos (São Paulo: Primata, 2020). Publicou poesia também em algumas revistas como a Ruído Manifesto, a Zunái, a Literatura & Fechadura, a Escrita Droide e a Acrobata. Os poemas desta coletânea farão parte do livro que será lançado no primeiro semestre de 2021, Imerso no verso, que juntamente com Engenho efêmero e Viva Vivaldi! constituirão a tríade 3 em 1 (ou seja, três livros em um único volume).
E-mail: henriqueduarteneto@yahoo.com.br
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O mal do século
“Oh tédio! Não se abata mais sobre mim,
Com sua enorme asa de abutre
E com os maus augúrios de uma
Missa negra ou de um festim de sabá!
Prefiro mil vezes a dor, que é finita,
Ao próprio spleen que não tem fim!
Pois a vida se escoa melancólica,
É a própria tristeza em si mesma.”
Calou-se o meu alter ego romântico,
Cuja voz trazia palavras e expressões
Às quais eu muito me acostumara,
E fiquei a pensar intensamente…
Seja o tédio oitocentista algo vital,
Entranhado, agônico, hoje me parece
Que os poetas não vivem tal crise:
Ao invés do sofrimento a frivolidade.
*
Antonio Vivaldi – Concertos para Flauta RV 441, 442 e 443
O fulgor nos movimentos rápidos
Ou a meditação elegante nos lentos.
Tudo resulta em música sutil
E fora da ordem comum do Barroco.
Mais terrena que a obra de J. S. Bach,
Presente-se nos concertos de Vivaldi
(Música intuitivamente mediterrânea)
A formosura melódica de Mozart.
O BELO em garrafais e sem refrigério,
Apetece os meus ouvidos melômanos
E transporta-me para outras paragens,
Para além do singelo e do comezinho.
A flauta, em sintonia com as cordas
E com o baixo contínuo, reinventa
A música como expressão celeste,
De um céu com nuanças imanentes.
É que o padre-compositor bem sabia
Que a música é a arte do tempo,
Mas também a que mais o subverte,
Pois sua expressão tende à eternidade.
*
A ilha dos mortos
In memoriam de Arnold Böcklin e Sergei Rachmaninov
A ilha ao longe e o seu silêncio sepulcral.
Nenhum vestígio de presença humana,
Tão somente o grande Campo-santo
Erigido na pedra e diante de meus olhos.
Eu, compungido espectador, vislumbro,
Nesta pequena e modesta embarcação,
Que me serve de transporte e de observatório,
Toda a fascinação exercida pelos túmulos.
Terão tido uma vida ordinária ou especial?
Indago a respeito dos que habitam as lápides.
E posso vê-los por instantes a dançar,
A valsa sincopada e alegre da vida.
Sim, foram todos eles extraordinários!
Beberam nas fontes da existência
A sua água sagrada e subverteram os clichês.
Deixaram um legado e agora descansam eternamente.
Mas o encanto se desfez! Foi-se a dança triunfante,
E com ela a música que embalava os dançarinos.
Tudo voltou a ficar fúnebre, como num dies irae:
“Dia da ira, aquele dia!” exclamo amedrontado.
A morte é realidade para todos os seres,
E não importa o que façamos, ela nos abraça.
A ilha dos mortos não é um local exótico, pitoresco,
Mas está em qualquer lugar, onde exista vida.
Pois não somos nós todos mortos em potência?
Apenas esperando para chegar a inevitável hora?
Que fará de cada um de nós cadáveres de fato?
Para daí se abrir as portas do grande mistério afinal?
*
Saudade do campo
Minha saudade:
Sinal de saúde?
Saúdo-a em si.
Sou campesino,
E assim, sequioso,
Trago na lembrança:
Sarças e sarmentos,
Sapos e saúvas.
Sou só sorrisos!