Quatro poemas de Jacquinha Nogueira
Jacqueline Nogueira Cerqueira reside em Sapeaçu (BA) desde que nasceu, é poeta e escritora, assina pelo pseudônimo Jacquinha Nogueira. Graduada em Letras Vernáculas – UNEB, 2013, é professora e pesquisadora literária; é especialista em Cultura e Literatura pela Barão de Mauá (2015) e em Literatura Contemporânea pela Barão de Mauá (2015); mestranda em Educação pela UFBA; organizadora do Sarau Sapeaçu, desde 2014, e desenvolve nas escolas onde leciona o Projeto “A Poesia Vive”, desde 2013. Tem poesias publicadas nas antologias: O Diferencial da Favela: Poesias Quebradas de Quebrada, 2014; Poesia Livre, 2014; Coletânea Prêmio Galinha Pulando (2014); Antologia Poética Vol. II Cogito (2015); Revista Farpa 1ª edição (2015); Confraria Poética Feminina (2016); O Diferencial da Favela: Poesias e Contos de Quebrada (2017); Outras Carolinas: mulherio da Bahia (2017); Confraria Poética Feminina Além da Estampa (2017); Revista Reflexos de Universos nº 94 (2018); e Confraria Poética Feminina Vol. 2 (2018). Participa de diversas atividades ligadas à literatura no Recôncavo e em Salvador, eventos variados, saraus, escolas e universidades, envolvendo saraus periféricos e literários, literatura negra ou marginal, autoria feminina, a escrita de mulheres negras no Recôncavo Baiano e empoderamento de mulheres.
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MULHERMARÇO
Guarde seus aplausos, o presente e o sorriso falso
Só porque é março?
Descanse a maquiagem, os abraços, e as piadinhas quando passo
Não esquecerei o tapa, nem o roxo na cara,
Nem a falta de consideração
Quando todos os dias me maltrata
Não nasci mulher, mas tornei-me mulher
Eu não sou apenas um corpo
Nem objeto do seu desejo escroto
Nem rainha do lar
Nem das roupas pra lavar e passar
Nem dona do fogão
Nem troféu pra homem desfilar
Sou mulher, não sou anjo, muito menos intocável
Só não tente querer andar pelos meus calos
Sua boca logo calo e nem tente me silenciar
Não me venha com esse falso amor, nem seu papo fiado
Tem dias que sou princesa sem salto
Em outros, madame andando descalço
Tenho liberdade pra me reinventar
Na vida, na cama, no trabalho
E em qualquer lugar
Contrariando a sociedade
Hoje escolho minhas profissões
Inverto a história de tantas mães e não mães
Mulheres, guerreiras
E quem disse que somos indefesas?
Desconhece as forças que guarda uma alma feminina?
Azar de quem subestima
Quisera tu ter a força dessas meninas
Mulher-menina
Mulher tem sobrenome, coragem
Estilhaça medos da humanidade
Desbrava o mundo gritando sua liberdade
Quem disse que não posso?
Que não tenho querer?
Volte às histórias, aos livros, as revistas, acompanhe-me em vida
Verás o poder
Não é a maquiagem que nos faz
Não é o salto que nos faz ir além
Não é o cabelo que nos dita
Não é o corpo que nos embeleza
Não é comida que saboreia a vida
É a nossa existência
A voz que vos grita.
*
GORDIVA
As minhas formas
Fora das normas
Impostas pelos padrões sociais
As minhas formas
Fora das normas
Impostas pelos padrões sociais
As minhas formas
Fora das normas
Impostas pelos padrões sociais
Já se olhou no espelho?
Olho e me vejo todos os dias
Quantas necessárias vezes for
Olhar e ver que lá estou
Inteira
Com todas as minhas curvas e dobras
Quebrando tabus de beleza
Não abaixo a magreza
Mas no meu corpo
ela não foi, não é
e nunca vai ser
ditadura da beleza
Amo as minhas curvas
Amo as minhas curvas
Amo as minhas curvas
e os meus tamanhos
Quando abro ou fecho os olhos
Quando abro ou fecho os olhos
Quando abro ou fecho os olhos
Me vejo, Me amo, Me gosto
Quando abro ou fecho os olhos
Quando abro ou fecho os olhos
No espelho ou fora dele me encontro
Bela ,Única, Plural
Negra, Gorda, Diva
Exprimindo na curva mais bonita
do corpo de uma mulher
Um amor sem igual
Quando abro ou fecho os olhos
Quando abro ou fechos os olhos
Passando a mão pelo meu corpo
Sentindo toda proporção
da minha sinuosidade
Porque o corpo
é além do visível
é também intimidade
E mulher não é padrão
É diversidade.
*
MEU 4C
Atura ou surta
Atura ou surta
Atura ou surta
Meu black está na rua
Daquele jeito armado
Livre e pro alto
Exibindo a beleza que seu olhar rejeita
Na boca que cala
E na boca que fala
Mas que cabelo é esse?
O que está na minha cabeça?
É o meu, meu bem!
Crespo
Lindo
4C
E divando na sua cara
Com todo prazer.
*
É NÃO!!
É bem nítido
no meu gestual-comportamental
na retração do meu corpo
na minha voz quando diz
NÃO!
Mas eles acham que é sim
eles querem um sim
dizem que é charme
é jogo
é jeitinho de mulher
inventam o que bem quer
só porque não aceitam
receber um não
vindo da boca de uma mulher
como se dispusemos a ser
sins nessa vida
estarmos sempre dispostas
esperando sermos vistas
resumindo todas a um padrão
a uma forma
a uma voz
a um jeito
ou em classificação
quando ser mulher é a pluralidade
em pessoa na sua significação
não há como enquadrar
em essas são só santas
ou essas são só putas
condenadas desde a cor do batom
ao comprimento da roupa
dentro e fora dos lares é assim
quantas situações repetidas em …
não me toque!
se afasta por favor!
eu não quero!
me deixa em paz!
eu não sou sua!
não me toque!
se afasta por favor!
eu não quero!
me deixa em paz !
eu não sou sua !
eu já te disse …
eu não te quero!
não me toque!
se afasta por favor!
eu não quero !
me deixa em paz!
eu não sou sua!
deixa eu falar …
não encoste a mão em mim!
o meu corpo é meu
eu não sua posse
eu estou te dizendo não
a nossa voz parece ser
a única a não ser escutada
e ainda somos taxadas como
as culpadas
e nem precisamos ser julgadas
a averiguação é o discurso social
até quando nós mulheres precisaremos validar tudo na repetição?
só nos escutam no grito?
ou nem isso?
quem ouve o nosso não?
em discursos que nos violentam
diariamente
matando-nos por dentro e por fora
quantas morrem todos os dias
caladas pelo impositivo sim?
quantas mulheres vivas se sentem mortas?
nós (só) queremos respeito! E mulheres vivas!!
nós (só) queremos respeito! E mulheres vivas!!
nós (só) queremos respeito! E mulheres vivas!!
E até onde eu sei
NÃO É NÃO!
e por direito.