Quatro poemas de João Liossi
João Liossi é cantor, compositor e poeta. Formado em Letras pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), tem dois livros de poemas publicados, “Aquilo que chamávamos de escuro” (2017, Urutau) e “Para gravar num disco voador” (2019, BAR Editora). Em 2020, João Liossi lançou o EP “Antiexílio” e o álbum “Trambique (Canções de quarentena)” (2020).
Os poemas abaixo são inéditos e serão publicados no próximo livro do poeta, ainda sem editora.
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Cascas
Nas costas das coisas que faço
como caminhar pelas vias
avariadas do inverno
enquanto canto esta canção
contra a insídia dos incêndios;
nas costas dos acontecimentos
amontoam-se certas cascas
ocas por dentro;
nas costas das coisas: um eco
seco como o bater das teclas
(não o soar das notas)
de um acordeon.
*
Pequeno-almoço
Sentar-se em frente à Falta
sempre com esta cara estragada
colocar com os olhos
a Falta em seu indevido lugar
como se a Falta fosse se levantar
sair correndo de desgosto
desgarrada desgraçada
mas a Falta não se assusta
a Falta não vai a lugar algum e me encara
dizendo cara feia para mim é fome
tomamos café frio comemos bolachas murchas
também não vou eu a lugar algum
*
quando estou muito triste,
não consigo escrever poemas.
alguém me pergunta não é
triste que se escreve os bons
poemas? respondo que não.
se estou estraçalhado, se não
consigo respirar, não consigo
escrever poemas. poemas precisam
de bons pulmões. não precisam
de pedras quentes no estômago,
das chagas deste choro em
chamas. choro não serve.
cólera não colabora. poemas
não precisam de você indo embora.
*
Cavalo
moram em meu
coração três
bocas (presas
enormes) comendo
momentos aos montes
sem mastigar
preciso aprender a
mastigar trinta e
três vezes o medo
para remontá-lo e entendê-lo
trezentas vezes
o amor para que eu
saiba aceitá-lo
merecê-lo dispará-lo
claro e livre
pela manhã
como um cavalo