Quatro poemas de Joaquim Bührer
Joaquim também é chamado de tim, de joka e de jô. Tem 26 anos entre Itapeva, Pontal do Sul e São Paulo. Escreve no seasickpoetry.tumblr.com e publicou em diversas revistas, sites e páginas. Pela editora urutau, é autor do triângulo, pela universidade de são paulo, pesquisa geografia urbana, pela @ciaasos, é baterista e compositor, já pela vida, dá aulas de geografia para crianças, adolescentes e adultos do fundamental II ao cursinho. Nos arrobas, procure por @joatimbc
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do cigarro me faz mais falta sair com ele por aí no meio dos dedos
já do mar o banho de sal ungido e
da sua pele o cheiro e
do interior as praças impulsivas de noites infinitas no prazer de não contar rolê em quilômetros mas
da distância eu só sinto falta de ir
andar em São Paulo é ter motivo para beber
e surpreende não achá lo vazante nos carros
surpreende não vê-lo no fim de uma série
nas filas de tudo
nas mãos dos sozinhos em bares no abismo do dia nos pontos de ônibus nas quinas da cidade mas
tinha esse padre, era verão quando o vi na rodoviária pela primeira vez com a latinha de brahma
depois veio o inverno
e ele estava lá, mas de blusa
ele sorria e dizia “Deus vai te abençoar nesse curso, meu filho, vai sim” e sorria e gargalhava gargalhava
andar por aí com um cigarro nos dedos era abrir um guarda chuva e olhar direito e viver as ruas de outro jeito
porque delas eu prefiro o que não cabe na foto, não entra em casa, não grita e nem faz questão de te receber
só se entende essas coisas com perspectivas parabólicas
sentimentonizadas
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o joaquim do futuro entende que o ventura é uma garrafa pet
e que plástico tem muito valor em dias de três R’s
mas que barbas e batuques brancos tem cheiro e gosto de biscoito, que penas e camisas floridas passam, que as sandálias da humildade
são desconfortáveis e, sim, o joaquim do futuro
me disse que quem vive de poesia é formiga e quem canta de cigarra por aí é só porque ainda é CLT
contou, todo paranóico,
que a cena não era tudo isso
que os umbigos estão no lugar errado
que se arrepende daquelas palavras em 2012
que eu ia entender as desvantagens do Tumblr
que meus filhos estão bem mas longe
que voei tão alto quanto caí mas entendi, finalmente, que quem tem peito de ferro engoliu muita barra
que era para queimar um toco à entidade que apontou seu dedo para o lugar certo no terreiro, parou, pensou,
me recomendou mais salada, dias de folga, paciência, e pipipi pópopó, mas,
nossa, como eu falo apressado
olhou para o céu e
mudou de ideia
na maior cena o velho e o moço, mandou esquecer tudo
disse
no meu lugar errar tudo de novo e
que os acertos que tivemos vieram de avião, mesmo com escala, e que era para se acostumar que não tinha essa de subir até a classe executiva
que para nós já era bom demais pagar de Ícaro
em mundo de neros e
que se podia ser pior é porque não foi
por fim
me avisou que a morte chegaria de lado
que era melhor aceitar, que não adianta discutir
que uma cova não se leva no papo, etc,
mas que pagamos a vida, para bem ou mal,
e eu percebi que era verdade quando ele disse que ficou puto
mas deixou ela com uma frase de efeito maneira num epitáfio hi-tech dos cemitérios online da Google
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igual a você, domingo a noite
eu quis aprender a fazer magia
de baixo das cobertas eu tô planejando uma nova semana
ela começa nessa segunda e os novos dias que virão cabem na nossa conversa
nós falaremos sobre decepção com o governo, sobre imobilismo
eu vou pegar o giz e dizer que albedo é isso ou aquilo e você, domingo a noite,
você vai sorrir como quem não quer nada
passando os dedos na franja caída, puxando o cabelo para trás da orelha
me olhando de lado
vai dizer que me gosta, que as conversas parecem melhores comigo e eu vou flertar de novo com você
a gente vai se enganar mais uma vez
vamos acreditar que tudo dará certo, que a ordem das coisas, os projetos pessoais, as pessoas nas ruas, os rostos, a fome, crianças,
que tudo dorme bem às 23:52 de agora
mas minha inefável vontade de me manter são vai sussurrar que não passa de outro fim de mês
então continuo coberto ouvindo os aviões incansáveis da São Paulo no hiato entre domingo e segunda
me perdendo da sua voz
mas para cada toque seu me fazendo sonhar com o que é possível
eu perco preciosos minutos de sono de uma noite pré-trabalho
já que assim como você, domingo a noite, eu também sou temporário
te evito agora
e por isso terminamos a conversa com seu olhar irritado, virando de lado, me deixando com as mãos perdidas e só nos veremos de novo
se por mais uma vez eu e essa cidade sobrevivermos
#
o tempo é um jeito distante de dizer eu te amo de longe e
grudar a rainha de gelo pelo pescoço idade glacial acima sem preguiça nenhuma de ficar
separado por éons com
um Pré-cambriano entre nós
mas
o tempo azulado é um senhor White Walker mal formado e desenturmado com jeito de que não está muito afim de matar ninguém a não ser a própria vontade
deitado como quem espera a vida
desapegado como quem supera a morte
Mendigando apenas a própria solução apenas o próprio desejo sendo copo vazio
E cheio
terminar um encontro de almas, abrir um espaço na garagem o tempo às vezes é hiato às vezes século às vezes mês sometimes
dizer bye bye pelo retrovisor, sorrindo adiante
Medo de ficar preso no presente, ter tempo é rumar, rumar, rumar
de quem fala ou de quem fecha a boca mas só ter tempo não adianta tem que ter eternidade
desejo a sós escondido no espelho
pensamento que ronda correndo na esteira
Demagorgon uma fenda no meio do coração e um abraço para a própria redenção inédita
tempo dói porque ele abre, voltar Band aid porque fecha e respira
tempo dói porque é visível, voltar tranquila porque não arde
tempo fere mas tempo passa. Ficar não, ficar enverga e enrruga.