Quatro poemas de Jorge Miranda
Jorge Miranda (Belo Horizonte, 1987) é mestrando em Teoria da Literatura e Literatura Comparada, com pesquisa sobre a crise da poesia brasileira contemporânea. Seu primeiro livro de poemas, Antidicção, será publicado este ano pela cas’a edições.
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Ditado
Lamber o inominável
do mundo até que
da pele reste
somente o puro sumo
(floreio em que, por seu
nada dizer, me
reconheço).
*
Do cânone
Pergunto-me
se ir da Barsa a Yi Sáng
constitui-se como um perfeito caso
de trava-língua,
palíndromo
ou epanadiplose.
Velho demais para batizar o mundo,
eu leio o eco ambidestro das vozes
que nunca pairaram sobre
as minhas águas
– tal qual um pelicano.
Em cada afirmação ou abstinência,
não o que eu li, mas o que me leu
desmontou o mote – que era eu:
um medíocre mea culpa.
*
À queima-roupa
Toda hesitação tem
surtido o efeito
contrário: por bem
ou por mal – de qualquer jeito –
não tomar partido
algum, não sair da bolha
onde o faz de conta faz sentido
se tornou a pior escolha
possível. Basta um suspiro
de dúvida e já se idolatra
o medo. Cuidado: o não tiro
também sai pela culatra.
*
O peso das catástrofes
Postas na balança
a Shoah e a Chacina do Carandiru,
chega-se à conclusão de que
a menos importante
entre elas
é a balança.
Um siclo de joio para cada siclo de trigo
e um denário para cada cadáver:
assim se reparte o ódio entre os cães
e os seus senhores.
Do saldo dos escombros e dos cacos
esse gosto de sal sobre a terra que não nos é leve
não é um contrapeso à revelia.
Arde menos como matemática
do que como vértebra e seu aferimento
é a medida mais cínica situada
entre a barbárie e a justiça.