Quatro poemas de Jorge Vicente
Jorge Vicente nasceu em 1974, em Lisboa, e desde cedo se interessou por poesia. Com Mestrado em Ciências Documentais, tem poemas publicados em diversas antologias literárias e revistas, participando, igualmente, nas listas de discussão Encontro de Escritas, Amante das Leituras e CantOrfeu. Faz parte da direcção editorial da revista online Incomunidade. Tem cinco livros publicados, sendo o último cavalo que passa devagar (voltad’mar: 2019). Contacto: jorgevicente.seacarrier@gmail.com
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o poema vibra na voz de dentro
o devir das mãos ainda ausentes
como se não houvesse [nem pudesse
haver] uma extensão máxima entre
o corpo e o mundo
o poema surge na voz de dentro
num ritmo sigiloso de deuses cenestésicos
olhando, admirando, mas sentindo
medo que o corpo se quebre
no olhar das mãos
o poema foge da voz de dentro
dizendo à palavra que se afaste
e abrindo o corpo ao mundo,
numa ânsia frenética de
ritmos e silêncios
[animais rondando a sua voz
sagrada].
(de teoria do movimento. edição de autor – 2014)
*
(para richard e nancy murrian)
não há poema que perturbe o grito amarelo-branco-suave, o que tenho debaixo da pele. o amor é um canal, uma flor enxuta e despida, já sabes que o teu nome tem apenas uma fenda entre os braços. e dois dedos a vomitar as neves.
(de noite que abre. voltad’mar – 2016)
*
no meu ventre, uma infinita nascência de verbo
e a ânsia furiosa de nomear o mundo
esta uma palavra, esta uma combustão
silenciosa de partículas,
aqui um homem e a matéria dentro dele:
uma supernova
aqui um risco dentro da verdade,
ali o silêncio da metáfora.
toda a literatura
toda a tradição
num baixo-corpo
prenhe de linguagem.
(de cavalo que passa devagar: voltad’mar – 2019)
*
não é esse mundo que eu abro para deixar passar o sol
essa estrela imaginária que por entre os nossos dedos diz:
para sempre, para trás e para a frente¹,
o tempo tem essa virtude feliz de
caminhar voltado para a paisagem
não é esse mundo ou talvez seja:
nada é mais distante ou mais perto
do que um mundo sendo tudo e sendo
quase nada
[um rasto iluminando a maré].
(de maré: por editar)
¹ excerto de um poema de Ema Alba-Lobo.