Quatro poemas de Kátia Borges
Kátia Borges é autora dos livros De volta à caixa de abelhas (As letras da Bahia, 2002), Uma balada para Janis (P55, 2009), Ticket Zen (Escrituras, 2010), Escorpião Amarelo (P55, 2012), São Selvagem (P55, 2014) e O exercício da distração (Penalux, 2017). Teve alguns de seus poemas incluídos nas coletâneas Roteiro da Poesia Brasileira, anos 2000 (Global, 2009), Traversée d’Océans – Voix poétiques de Bretagne et de Bahia (Éditions Lanore, 2012), Autores Baianos, um Panorama (P55, 2013) e na Mini-Anthology of Brazilian Poetry (Placitas: Malpais Review, 2013).
Os poemas abaixo são do livro O exercício da distração.
***
Pequena flor
Meu apartamento, no 12º andar,
fica tão perto da varanda
do vizinho do outro prédio
que, se esticar o braço com jeito,
conseguirei regar suas plantas.
Escrevo sobre mim, essa lonjura,
e sobre você, pequena flor,
na solidão do sábado.
A vida é esse verde entre nós.
Talvez biólogos nos expliquem
a fluidez do amor, a essa altura.
Serei melhor se lançar água
e, dessa distância que penso segura,
salvar uma begônia.
*
Teu movimento
Antes que te chame
o pelotão de fuzilamento
repara o pássaro
apara o dia.
Há um olhar que se derrama
lento sobre a vigia
e graciosidade no andar
do carcereiro.
Antes, sim, que chamem
o teu nome, anota
num papel ou na parede
certo verso de cimento.
Na argamassa firme
teu movimento.
*
A dor fantasma
Tenho as mãos vazias
e horizontes perdidos.
Meu coração vai
onde a vista não alcança.
Meu coração,
treze caravelas,
não descobriu
país algum.
Meus dedos festejam
um braço invisível
e dores fantasmas,
esse vício:
agarrar-se às coisas.
Sinto o vazio espalmado
contra o vento que me cobra
ser possível,
uma pilhéria
de que os livros não dão conta.
*
Caixa preta
Como quem rasga o peito e não discute
suturas para o peito aberto.
Pouco importa andar com o coração à mostra
os seios nus repartidos pelo esterno
fissura entre as costelas – a dor das tais fissuras
– que se tem quando se rasga o peito.