Quatro poemas de Laisa Kaos
Laisa Kaos é poeta e publicou Lábio Aberto, seu primeiro livro, em 2019. Nascida em Belém do Pará, graduou-se em história e cedo encantou-se pelas possibilidades das palavras e das artes. Mudou-se para São Paulo, onde estudou as expressões artísticas. Atualmente é pós-graduanda do Instituto Federal de São Paulo e trabalha em seu segundo livro.
Todos os poemas abaixo são do livro Lábio Aberto.
***
Crise de ansiedade
É no meio vão das angústias da madrugada
Que me deparo com incertezas vis, cruéis
Levanto acompanhando o estalar de dedos
Batendo sincronizadamente descompassadas
as unhas arranhando as almofadas
acendo um cigarro na varanda de vento quente
Será mais uma longa madrugada
Entre um trago e outro a face molha sem porquês
E possuindo em si, todos os porquês possíveis
Observo de longe a todos, manias de quem sofre demais
É como um conforto para todos, causar um desconforto a mim
Será que essa face ainda molhará por outros motivos?
Que não, as iniquidades dos que gratuitamente
Me cospem farpas de fogo, dia após dia
As indiferenças mundanas
As solidões de mesas de bar
As novamente necessárias doses incertas de zolpidem
O que fora feito para mim? Qual espécie cruel de loucura queriam-me causar?
O meu suicídio talvez?
O final certeiro e bonito para um dos contos de Kelmer!
E depois de dois, talvez três semanas…
As vidas todas, seguindo com seus rumos,
Eu teria sido, como Tânia, o travesti de mais um conto,
apodrecendo e definhando em um sepulcro esquecido
Desço as escadas em mais um cigarro
um rato atravessa a rua, companhia certeira da madrugada
Os porquês, ainda infindáveis porquês
Da falta de concentração, consideração
amizade, respeito, afeto-fato
Sem interesses somente no bife posto a mesa
É desse cansaço que falo…
Vai amanhecer
Apaga o cigarro, sobe as escadas
Afaga o rato, sim!
Apaga os lampejos
Engole a pílula
E deita.
Guarda o banquinho para um outro dia,
Quem sabe?
*
Jaz o jazz
Querendo ser sóbria, rezo sempre uma contradição
Me observo no espelho e pergunto
a quem quero enganar?
o que digo quando te vir passante?
pelos caminhos que sei,
ainda irão se cruzar.
Pergunto com todas as incertezas
cabíveis a mim por direito
O que fora feito de tão grave
Para que de súbito voasse?
Foram meus poemas pesados?
Minhas inverdades não colocadas em teu colchão?
Foi minha franqueza ao dizer que não me demoraria?
Preste atenção:
Tudo não passa de balela
De quem muito teme e pouco vive
Tudo não passou de desespero
De quem fora precoce demais
para agora em tudo crer
Difícil mesmo é manter os pés cravados
Numa monstruosidade que a mim não pertence
Não nasci para ser canalha
Saiba!
Não me basta pele seca.
Engoli o choro e vomitei mentiras
A verdade mesmo? essa eu também engoli
Junto às minhas feridas não-curadas
Ouça baixo:
A muito um sorriso assim não me arrebatava
E ao perceber, eu fugi
Levei comigo a ponta dos teus dedos me decorando
parecia saber que eu não ficaria ali
A muito uma cara sacana não me derrubava com tamanha rasteira
E correndo, fugindo, não querendo
Quando vi já estava no chão.
Se me permite eu explico daqui:
A liberdade das palavras nunca havia me deixado
Tão sem lugar
E a tua voz eu ainda levo leve
Como um jazz.
Como-um-jazz.
*
39
Quis sair da fossa. Mas não.
Preferi mergulhar
Escancarar até o pescoço
Afogar soltando espumas
Rasgada afundada assumida
Dor cravada na carne é pior que gripe mal curada
(e ambas causam um mal terrível para os pulmões)
E eu.
Morro de medo de morrer.
Ou viver sufocada.
*
Desmanche
(Para ler ao som de Joy Division, Love Will Tear Us Apart)
Enquanto passam os automóveis e as palavras são especulações
vazias
As paixões já não são violentas e nem mais por coisa alguma
Um saco cheio de gelo e ar que nada diz
Finge e quer, mas não diz
As não vi-o-lentas paixões morrem em seu merecido e ensaiado ritmo
Existe um rarefeito ar que entope a glote e te quer longe sem dizer
Bronquite
dor no peito
náusea recorrente
mentiras juradas
paixões inexistentes
São doenças contraídas no ar
Feito gripe que mata a alma aos poucos
A poesia não pulsava acompanhando a veia
Era um nada cheio de cheiro de vala
Um mar inteiro de não-sensação
Era metanfetamina e você aí, rindo e chamando de amor.