Quatro poemas de Luís Fernando Neis Blaschke
Luís Fernando Neis Blaschke nasceu em 1982 em Porto Alegre (RS), onde cresceu e vive até hoje, sozinho, sem gato nem cachorro, fazendo o tipo ermitão num apartamento antigo de três quartos. De humor fleumático-melancólico, foi cedo condenado a amar a literatura mais que o dinheiro; e formou-se em Letras pela UFRGS, para seu azar. Por sorte, há onze anos ganha a vida como um diligente burocrata. Gosta de jogos de tabuleiro e coisas antigas, prefere chá a café, pizza a sushi, bolacha a biscoito; e cultiva uma saudável intolerância à lactose. É autor de Brasil Ópera-Bufa (poesia, 2021, Patuá).
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Mito
A José Francisco Botelho
O mito é o tudo que é nada.
Se a esmo o tal abre a boca,
É um misto de coisa errada…
Só tem na cabeça oca
Meme e mitada.
Este, que aqui se elegeu,
Foi pra não ser o segundo.
Sem presidir, nos perdeu.
Por não ter freio foi fundo
E nos fodeu.
E assim a besta a mil corre
A escapar da realidade
E os próprios filhos socorre.
E à classe média quem há de?
Só um baita porre.
*
Peppa
Não consigo ser musa da direita.
No regime esquerdista passo fome.
Alguém aí teria uma receita
Pra me saciar, ou sabe onde se come
Melhor e mais que aqui?
Não posaria para Botticelli,
Tampouco serviria a Caravaggio.
Minha voracidade é o que me impele:
Até o trabalho alheio (chamam plágio)
Por gula já engoli.
Rotunda e sorridente e loura e rósea,
Eu sou mais eu, sou única, a que esbanja
Mais de um milhão de votos, não há sósia.
Eu sou um caso raro entre laranjas
(Também eu já as comi).
*
Reunião secreta
Salão Oval. Reunião secreta em curso.
Só dois homens lá dentro. Ninguém fala.
O que mais se aproxima de um discurso
São gemidos e o som de chupar bala.
Mas não é bala, não; desculpe o engano:
É um homem já grisalho que se ocupa
De abocanhar o membro americano
De seu anfitrião. E chupa, e chupa…
E vai pensando assim, co’ a boca cheia:
“Devo tomar cuidado, senão mordo
O senhor Trump. E vai que se chateia
E não honra também mais este acordo…”.
Tem ganas de fazer um bom serviço
Para agradá-lo; assim, não o escalavra
E o chupa com desvelo, embora omisso
O outro lhe seja sempre de palavra.
Esta, no entanto, é a prova derradeira
De sua lealdade, após a qual
A pátria americana e a brasileira
Hão de se respeitar de igual pra igual.
E essa irmandade, inédita na história,
Há de trazer para o Brasil riqueza
E ao nosso presidente imensa glória
Capaz de reelegê-lo, com certeza.
O gringo é um animal, cavalo baio
De calça larga a meio da garupa
Co’ o pau braguilha afora; e seu lacaio
(Posto que enorme) inteiro o chupa, e chupa…
E ao fim de dez minutos (infinitos
Ao chupador, mas curtos ao chupado),
Ouvem-se então grunhidos esquisitos
E um relincho de júbilo, alongado;
E os ruídos de um líquido esguichando,
E uns barulhos estranhos de garganta…
E parecia finda a coisa quando
Inda um esguicho súbito os espanta:
Um jorro derradeiro, de surpresa,
Do anglo-saxônico e sublime esperma
(Em toda a sua gênica pureza)
Escapa e mancha a cara do palerma.
E antes que Trump o flácido pau sujo
Dentro da calça larga recoloque-o,
O gosmento e molenga, o caramujo
Jair se humilha mais neste colóquio:
— Que garanhão leiteiro, presidente!
Foi tanto, que me escorre até no papo…
Tu podes emprestar-me, gentilmente,
Se não for muito abuso, um guardanapo?
— My friend, esse boquete foi supimpa!
Tão bom que até farei constar em ata.
Quanto ao favor, por que você não limpa
Toda essa lambuzeira na gravata?
*
Mensagem cifrada em tempos de Gestapo
Beócio. Ignóbil. Sevandija. Abutre.
Obsceno. Biltre. Vil. Soez. Bufão.
Labrusco. Atroz. Chorume. Infame. Futre.
Sandeu. Sádico. Reles. Mandrião.
Oportunista. Escroque. Valdevinos.
Néscio. Embusteiro. Ególatra. Canalha.
Asqueroso. Energúmeno. Cretino.
Repulsivo. Misólogo. Merdalha.
Obtuso. Brutamontes. Ímpio. Insano.
Parlapatão. Jumento. Pulha. Inculto.
Abominoso. Estúpido. Tirano.
Urubu. Ogro. Mau. Verdugo. Estulto.
Nojento. Nauseabundo. Salafrário.
Oligofrênico. Maldito. Burro.
Calhorda. Abjeto. Parvo. Rude. Otário.
Ultra-arrombado. Pífio. Peste. Enxurro.