Quatro poemas de Mailson Furtado
Mailson Furtado: Cearense. É autor, dentre outras obras, de à cidade, obra independente vencedora do Prêmio Jabuti 2018 – categorias Poesia e Livro do Ano. Em Varjota|CE, cidade onde sempre viveu, fundou a CIA teatral Criando Arte, em atividades desde 2006, onde realiza atividades de ator, diretor e dramaturgo, além de produtor cultural da Casa de Arte CriAr.
“epopeia do passeio da luz” e “[pai carregava o sol toda manhã]” são poemas inéditos. “[a lua hoje distante e precisa]” integra o livro Versos Pingados (2014) e “das lápides” integra o livro Passeio pelas ruas de mim (e de outros) (2018).
***
epopeia do passeio da luz
no início
foi tudo luz
que antes talvez
(também)
depois a terra latejou outros dias
ficou nublada outros dias
naquele tempo
a luz já passeava
era adolescente
repartia o amor
era do céu
era do chão
foi passear no tempo
: lua vagalumes fogo
fogo
fogo fogueiras incêndios
fogo (fumaça) a se afogar
e mais fogo fogo fogo
faísca fogo faísca
tiro fogo tiro tiro
(e pra alguns ficou escuro)
e mais fogo entre lua vagalumes (e tiros – sempre entre parênteses) e assim outras faíscas:
lâmpada led leds lâmpadas outros leds
(que se meteram no buraco do pixel sem-tamanho)
e a gente se perdeu
(no calendário
sem-data)
cegos por excesso
a futricar cor
o que a vida
senão um s’esconder
do escuro?
*
das lápides
uma de minhas quatro bisavós
virou nome de rua
por ter uma neta rica na cidade
um avô de quinta geração
morreu assassino
por ser contra o presidente da província
e seu nome sumiu de nossas certidões
um outro bisavô
virou escola
já demolida há anos
(sobrou-lhe a experiência
de ter se deteriorado duas vezes)
*
pai carregava o sol toda manhã
de tanto e tanto
frestas rasgavam o trançado do chapéu
e tudo já era dormente
e tudo era ir e ir e ir
com a promessa do dia seguinte
pagar a vida inteira
*
a lua hoje distante e precisa
é o reflexo do botão da camisa –
cópia sem graça da luz incolor
da lâmpada suspensa neste quarto
por tal noite migalho companhia
sem cerveja conversa ou poesia
somente o passar sem pressa do tempo
num atropelar vazio – um hiato
e nesta noite sem luz de cidades
faz-se a vida comprimida a paredes
amarrado em desejos ainda estou.
amanhã – dia novo me desato