Quatro poemas de Márcio Mendes
Márcio Mendes, o Poeta do Cerrado, nasceu em Cuiabá-MT e é graduado em Gestão Pública pela UNIVAG e pós-graduado em Direito Administrativo (especialização lato sensu). Participou da 9° Bienal Nacional do Livro no Rio de Janeiro em 1999 e do 1• Festival Internacional de Livros – Literamérica. Participou ainda do Segundo Estudo Linguístico realizado na UNIVAG em 2005 e foi classificado no Concurso Internacional de Poesia, participando do livro Latinidade poética, o melhor da poesia latino-americana. É autor dos livros Navegando e pensamentos, O Rei Sonho, SOS Planeta Terra, A segunda natureza, Uma noite de insônia, este último oficialmente editado pela Casa do Novo Autor. Recentemente, foi classificado, no Edital de Fomento à Cultura da Prefeitura de Cuiabá 2018, com a obra Uma janela espia – um outro lado de sua mente, e no Concurso Nacional Novos poetas, com o poema “Traquinagem de Guri”, que será publicado na Antologia poética de 2019.
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A Fuga
O ato
A figa
A fuga
O trato
O homem
A amiga
O tempo
O jarro
A planta
O escarro
A anta
O preto
O barro
O leite
O beco
O azeite
O vento
A terra
O cacho
A fera
O pensamento
Me acho…
*
Arrogante
Graças a Deus
a Deus eu roguei
pequei, sofri, penei,
não achei o caminho certo
na estrada errada em que andei
chorei, chorei, chorei,
mas, nem sei o que farei
quando a Deus chegar
falar que pequei
não segui seus mandamentos
no retumbante momento
em que aqui vivi
depois direi, não vi
o alerta no cantar do bentevi
mas como sofri, inverti
nem sei, acho que nem amei
preciso amar, pra quando chegar
falar que vivi os prazeres no ar
de vez em quando no bar
até sem ar fiquei
chorei, sorri, tudo eu fiz
fui feliz, sou feliz
serei feliz sempre com bis…
*
Infância de Menininha
Que vida mansa vivia
quando criança no sítio da tia
eu era um capetinha
aprontava com quem vinha
nunca com a menininha
e sim com a vizinha
que prendia a menininha, pra não sair
ela estava certa, prendia o que tinha
mas, mesmo assim ela vinha, que espertinha
muita doutrina tinha a dar aquela vizinha
não tinha outras filhinhas
só educava a menininha, que sofrimento tinha
com essa rústica doutrina
só desabafo, nos momentos que ainda tinha
como escudo da vizinha
que absurdo, mas sempre tinha
aquela vizinha, pra atropelar
a minha infância de menininha…
*
Traquinagem de Guri
Lembro-me como se fosse hoje. Lá pelas bandas do Mato Grosso, quando guri, gostava de embrenhar na mata para caçar passarinho e outros animais. Entrava Cerrado a dentro, por entre as lixeiras, árvores retorcidas e tortuosas, dentre outras espécies nativas da região. Havia também muitas árvores frutíferas: mangueiras, cajueiros, goiabeiras, dentre outras frutíferas locais.
Quando estava na parte mais fechada da mata, me sentia um indiozinho, um autêntico nativo da região. E lá, nas profundezas da mata, havia muito cipó, entrelaçando os galhos da densa mata.
Avidamente puxava um desses fios verdes de cipó para amarrar o short que ficava caindo por conta das inúmeras pedrinhas que colocava nos bolsos para pelotear as aves no alto dos galhos das árvores mais altas.
Um dia, sem querer, simplesmente, a esmo atirei pedra acima com a minha funda, ou estilingue como muitos a chamavam. A minha funda era de dedeira para ficar mais firme por entre os dedos.
A pedrinha atirada a esmo da minha funda acertou em cheio um pequenino passarinho, minha primeira caça de guri no meio da mata do Cerrado.
De repente, vi apenas uma cabecinha cheia de penas e um bico arroxeado que caía da árvore ao chão. Não demorou muito, segundos depois, um pequenino corpo sem cabeça caía sobre os meus pés de menino caçador.
Aquela cena dantesca me comoveu, feriu meu pequenino coração de menino travesso. Instante em que descobri que eu não era e nem queria ser um caçador. Nem mesmo quis batizar a funda de dedeiras com o sangue da caça, tradição da gurizada, quando acertava sua primeira caça no meio da mata.
Vi, então, que não tinha instinto de caçador e sim de preservador da natureza. Daquele momento em diante, passei a observar e a cuidar mais dos passarinhos e de todos outros animais da mata que alimentavam de ternura a minha infância de pequeno menino preservador.