Quatro poemas de Matheus Peleteiro
Nascido em Salvador – BA em 1995, escritor, jurista e tradutor, Matheus Peleteiro publicou, em 2015, o seu primeiro romance, Mundo Cão, pela editora Novo Século. Depois lançou a novela intitulada Notas de um Megalomaníaco Minimalista (editora Giostri, 2016); o livro de poemas Tudo Que Arde Em Minha Garganta Sem Voz (editora Penalux, 2016); o livro de contos Pro Inferno com Isso (Edição do Autor, 2017) e a distopia satírica O Ditador Honesto (Edição do Autor, 2018). Além disso, em 2018, assinou, ao lado do tradutor Edivaldo Ferreira, a tradução do livro A Alma Dança em Seu Berço (editora Penalux). Em, 2019 publicou a coletânea poética, intitulada Nossos Corações Brincam de Telefone sem Fio.
***
BREVE E INFINITO
uma pintura recusada
dando origem ao primeiro nazista;
o medo de perder uma guerra
desenvolvendo a bomba atômica;
Henry Ford criando os primeiros robôs em 1914;
um massacre a mulheres e crianças eternizando Picasso;
uma mulher grávida sendo entregue para a morte
por um presidente que teme a derrota;
uma criança lendo um livro didático e perguntando “por que a história é tão injusta?”;
e você,
construindo um castelo de areia
na beira do mar
como se grãos fossem pedras,
se sentindo a rainha do próprio nariz e das marés
sabendo que basta uma simples onda
para que um império inteiro se
converta em ruínas,
mesmo assim,
a contemplar
o seu reinado
breve e infinito.
*
NOSSOS CORAÇÕES BRINCAM DE TELEFONE SEM FIO
a gente briga por atenção e outras coisas tolas,
explano paranoias que não consigo mais suportar,
você se irrita e se cala
e eu sempre fico sem saber o que fazer
para te roubar um sorriso novo.
a cada lágrima que cai de seus olhos
– quase compondo um oceano –
uma correnteza dentro de mim
me mostra que
quando um de nós chora
nossos corações voltam à infância
e brincam
de telefone sem fio.
um homem apaixonado está sempre condenado à culpa
e eu te amo tanto que,
em cada lugar que passo,
deixo postais com fotos suas
e pedidos de desculpas
mesmo quando tenho razão.
torcendo para que, ao final,
tudo acabe com a sua cara de índia mordendo meus lábios
e nós dois rindo da inocência da Maglore
quando cantou que todos os amores são iguais.
*
UM ECLIPSE
somos só nós dois,
deitados
enquanto o sol encontra a lua.
os nossos corpos se fitam
e se tocam,
mas não há colisão.
durante esse contato astral,
ao tempo em que o sol encobre a lua,
nós nos descobrimos aqui embaixo,
e, depravadamente,
fazemos do nosso ato carnal,
nosso maior eclipse.
*
DE LUZES APAGADAS
fui andando sobre o fogo
pisando em egos e corações,
enfrentando aquecimentos e tempestades:
vi o melhor da vida
conheci a sensualidade de bonitas pernas
caí no encanto das mulheres praianas
e fui cegado por sereias de rabos brancos e pretos
nos quais me perdi como velejantes em oceanos.
no dia em que fiquei cego
escutei pessoas reproduzindo palavras e expressões
sem pensar no que diziam,
escutei lamentosos a se queixar
sobre tudo o que lhes rodeava
sem sequer arriscar conhecer um pouco da vida ou o suicídio,
escutei pessoas acordando a torcer que o dia terminasse
e percebi que existem manhãs mais sombrias que noites.
escutei Deus perguntando o que tenho feito com os dias que tem me dado
–se os tenho gasto ou jogado fora –
vi gente morta que ainda vive.
e quando finalmente olhei para um espelho imaginário
enxerguei alguém
tragado pelo céu da boca do universo.
abri os olhos:
de luzes apagadas,
o mundo não é bonito.