Quatro poemas de Maurício Simionato
Maurício Simionato nascido em Assis (SP), jan/1973, e morador de Campinas (SP), Maurício Simionato é poeta e jornalista. Lançou os livros de poesias “Impermanência” (2012, selecionado pela Secretaria de Cultura de Campinas), “Sobre Auroras e Crepúsculos” (2017, Multifoco), lançado na Bienal do Livro do Rio/2017, e “O AradO de OdarA” (2021, Patuá). Teve poemas publicados em diversas revistas especializadas em literatura e em mais de dez antologias poéticas. Como repórter, foi correspondente na Amazônia por três anos, sediado em Belém (PA), e tem passagens por diversos sites e jornais. É editor da revista digital ‘URRO – contragolpe cultural’. Desenvolve pesquisa sobre ruídos poéticos urbanos no Mestrado em Divulgação Científica e Cultural no LabJor/IEL, da UNICAMP.
***
Ao menino refugiado
Hoje,
cruzei mais uma fronteira,
sem querer.
Alguém me puxou por cima da cerca.
Alguém me segurou do outro lado.
Alguém quis me jogar de volta.
Aqui,
pessoas carregam sacos plásticos com miudezas sem sentido,
pedaços de coisas mudas,
e malas esfarrapadas com o que restou da vida.
Nestes dias,
os abraços
são mais dolorosos,
porque há o desabraço.
Nestes dias,
os olhares
tornam-se um pouco mais tristes,
porque há o desolhar.
Nestes dias,
o aperto no peito
aperta diferente.
Pois há também
a indiferença.
Nestes dias,
o destino rejeita-nos de antemão.
*
Menina: és o que és
Fujas dos bombardeios para sempre,
garota das maçãs do rosto coradas, que contrastam com os olhos esverdeados.
És o que és.
Seu tempo ainda não chegou.
Esse teu choro que busca desdobrar-se em sorriso
Cabelos esvoaçados como um dia impreciso.
Fujas dos bombardeios para sempre
garota das maçãs do rosto desbotadas, que contrastam com os olhos avermelhados.
És o que és.
A boca esconde um pedido, inclinada a tratar coisas da dor.
O caminho das lágrimas já está trilhado há tempos
na face enrijecida que a trouxe até aqui.
Fujas dos bombardeios para sempre
garota das maçãs do rosto negras, que contrastam com o tom dos olhos azuis pálidos.
És o que és.
*
Arames
Atrás de mim
arames farpados dão o tom.
Emaranhados, embaraçam vidas,
mas de forma alguma limitam
o que já sou.
Todos estes rostos em sofrimento
trazem-nos, logo mais adiante,
uma imensidão jamais vista
De medo, esperança e o que mais vier.
Sou exatamente essa menina,
de não mais de quinze anos de idade.
Seguro um bebê no colo
de não mais de um ano e meio, sem identidade.
Como todos aqui
sinto os pés secos,
enquanto congelo o que sobrou do olhar nesse pedaço
de solo, que também é meu,
mas que me negam.
Como tantos à minha volta, sou só.
Estanco os lábios
sem esboçar qualquer sobra de sorriso,
mas não porque precise, apenas porque sumiu do rosto.
E na escuridão da noite órfã, que é de todos,
vi as mesmas estrelas
de todos.
Mas as vejo de uma forma mais clara que eles.
Quando pegarmos a estrada com esse nosso
quase nada a tiracolo
ficarei para trás
para sempre.
Enroscada nos mesmos
arames farpados.
De todos
nós.
*
A praia
Engulo um punhado de terra arrasada
enquanto roço o dorso na fumaça amarelada de desencantos.
Os rochedos desconfiam dos jogos de amar e desamar.
Aprazíveis praias vazias enlaçam-me nas névoas do destino ocaso.
Derivo nos espaços que me sobram
Ressurjo em busca de ar, à beira de um oceano qualquer.
A face direita do rosto afundada na areia.,
estanco o fluxo que me trouxe à vida.
Respiro o dia para deixar de ser fim.
Embaraçam-me sonhos a perder de vista.
Trago olhos exilados,
lábios arroxeados
cílios marejados.
Também sou criança.
Restou-me nos pulmões o sal da saudade perdida.
Não sinto mais o gosto de conchas em minha língua,
Sílabas indizíveis me trouxeram até aqui.
Invado a praia sem fazer castelos,
Sem pipa, bola ou boia.
Sou mais um Imperador de Sorvetes das brincadeiras que perderam a esperança,
o quase amor na brisa de outrora,
quem você não deseja ver caído em uma manhã ensolarada de marés baixas
Não avisto as nuvens de hoje,
mas sempre me entrego a elas.
Para ficar a s.ó.s.
Com meus ossos sobreviventes
Que se dissolvem na manhã fria
sob um sol solene que havia
desolado neste solo
da Turquia.