Quatro poemas de Mayara Yamanoe
Mayara Yamanoe nasceu em Campo Mourão – PR (1987), é professora universitária (UTFPR), mestre em educação e doutora em tecnologia e sociedade. Escreve para exorcizar-se dos demônios a que fica exposta depois de tanta leitura. Vive endemoniada. Sem pretensões, mas com muitas palavras. Ama palavras. Nunca publicou nada de que tenha orgulho.
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Maio. Memórias.
Marias. Mirians. Mayaras.
Maçã, mordida. Mácula.
Medida. Medo.
Menina.
Meninas.
Mestiça.
Manhãs, meses, minutos, marcas. Madrugadas.
Mãos.
Moedas. Moléculas.
Miragem. Mirante. Muralha.
Memória. Mapas. Métodos.
Mãos. Madeixas. Melancolia.
Mais e mais.
Menos, muito menos.
Mulheres.
Milhares.
Mesmas. Máximas.
Mensuram, minimizam a mansidão.
Magas. Mágicas. Magias. Mistérios.
Magnetismos. Místicas.
Malandragens. Melindres. Meneios.
Morte. Mortificando-se. Motivos.
Mãos.
Marcas.
Marginais e mesopotâmicas.
Mãos. Massas. Macarrão.
Migalhas e monumentos.
Máscaras.
Moradas.
Madrugadas.
Manchas. Machucados. Macerada.
Marchando. Marejadas.
Mediando. Mentes.
Meditando. Militância.
Manancial.
Mar.
Mina.
Mas. Mesmo.
Meias. Metades.
Mistura. Misto.
Murmuro. Muto.
Mergulho.
Mesma.
Metamorfose. Metafórica.
Metáfora.
Múltipla.
Minuta.
Movimento. Margem
*
Ódio às traças
As traças da minha casa são gordas
Me incomodam
Disputam comigo o que deveria ser só meu.
Só meu!
As traças me desafiam, me ridicularizam.
Zombam de mim comendo o que eu deveria estar comendo.
E são rápidas.
Fogo Morto, Capitães da Areia, A Cor Púrpura
os mais atingidos
Não, eu sou a mais atingida.
Detesto as traças.
As traças gordas da minha casa que se proliferam e que passam, de geração em geração, a empáfia de me olharem com desprezo
Riem de mim por não conseguir o que elas têm feito
Toda essa linhagem desperta meu pior,
o que há de mais egoísta e vil
Prazer em matar uma delas e deixar o corpo exposto para que as outras vejam,
Elas são ágeis e eu tão lenta
E comem o que é meu
Tenho inveja das traças
*
natural primo ímpar
na dualidade das necessidades
A história e a surpresa
Os pés no chão e a cabeça no ar
O conforto e o incômodo
O cuidado e o estímulo
O carinho e o querer
O sol e a lua
O sim e o talvez
A certeza e a dúvida
A paz e o vulcão
O aqui e o acolá
A âncora e a vela
Os planos e os enigmas
A poesia e a música
Os ondulados e os longos
O enrolado e o liso
A exclamação e a interrogação
O abraço e o olhar
O dedilhado e o riff
O Pierrot e o Arlequim
A comunicação e a reação
A linguagem e a química
Humano e exato
Exato e humano
A sombra que revigora e o calor que agita
O rio e o mar
O doce e o agridoce
A cautela e a ousadia
O vinho e o café
O café e o chocolate
O chocolate e o ácido
A ternura e a razão
O dirigente e o exigente
O diálogo e o silêncio
O detalhe e o mistério
A metáfora e a ironia
O verde e o vermelho
O romance e a tentação
A alma e o espírito
A paciência e o anseio
A força e a vontade
A substância e o substrato
A chama branda e a brasa
O veludo e a seda
Minhas narrativas
A epopeia e o conto
A fábula e a crônica
O ensaio e a sátira
A rubrica e o discurso direto
A calma e a velocidade
A constância e a intensidade
A verve e a fantasia
O incentivo e o impulso
O conselho e o tribunal
O perene e o efêmero
O fugaz e o perpétuo
O profundo e o transbordante
Ao mesmo tempo que distinto, proporcional
Ao mesmo tempo que outros, um, tudo
trinca
três
natural primo ímpar
equilíbrio
vênus em virgem
nós
entrelaçados, articulados
sob o céu
conexão, coerência
coerentes, analíticos, integrados
na possibilidade
no detalhe
a discrição, a prática, a perfeição
*
De um microconto a uma macro conta
Aflita, aflora. Afoita, aufere. Afeita, afeta-se.
Acrescenta um afobada a essa aliteração torta, mas que diz tanto sobre o peito pressionado pelo peso da frieza como escudo, que diz não sentir, mas sente, que quer deixar para lá, mas que deixa dentro.
E dentro, aquele rebuliço inquieto, afã.
Ao despontar a aflição, intrépida extrai dela cada faísca de agonia.
Óbice, tranca, travanca.
Comove e abala, porque apesar de não querer sentir, sente.
E, habituada, amarga a angústia em sua boca.
À boca, sobe pungente, lancinante, o sabor de viver atolada.
Atola-se para suportar, afinal, afeita, aufere a aflição cotidiana.
E nesse emaranhado de disse e não disse e me disse que disse, diz.
Só assim sabe dizer. De jeito não direto.
Sua objetividade, máscara que carrega orgulhosa, não é páreo para o que fervilha no peito pressionado.
Soma. Compressão. Constrição. Tensão.