Quatro poemas de Paulo César Teles
Paulo César Teles mora em Fortaleza, Ceará. Professor e ilustrador, é doutorando em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais.
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quatro tentativas de haicais para um ano particularmente significativo
I
trazem mansidão
numa tarde de calor
tsurus dobrados
II
ir ao benfica
em época de chuva
não fluidifica
III
frequências de luz
pelo recanto da vó
revelam portais
IV
ar marítimo
no espigão do náutico
toca os meninos
*
epifania
pela primeira vez,
sinto a vontade de me explodir.
é que, apesar da irracionalidade de um sistema econômico,
que nunca vai morrer de morte natural,
apesar da crise ecológica,
que manifesta, antes de tudo, uma desconexão profunda de nós mesmos
com o nosso meio,
numa postura egocêntrica perante a natureza,
apesar das propagandas dos remédios e das doenças,
que patologizam curas,
apesar dos reis tristes das histórias infantis,
que poderiam ser retratos nossos,
sinto uma real vontade
de me explodir em alegria.
é possível resistir dos mais diversos modos
aos ataques que vem de fora (ou de dentro)
se desnudarmos
o desvio dos ressentimentos,
se transformarmos o ódio
em movimentos de expansão,
em pulsação, em energia de potência.
é preciso questionar o (im)possível
enquanto respirarmos.
enquanto houver poesia nas coisas,
a alegria resiste em mim.
*
pequeno infortúnio
o dia que começa com um chuveiro quebrado
abre passagens para que eu possa viver em outra dimensão.
se fico, por isso, ansioso, contemplativo, despreparado,
posso criar bloqueios que impedem a minha difícil atenção.
então, percorro as órbitas dos meus pensamentos aflitos
e movo os rios que insistem em nascer dos meus silenciosos gritos.
nado, corro, piso, empurro, pulo, esbravejo, caio,
tudo parece me massacrar, tão depressa e velozmente, como a pujança de um raio.
*
três estrofes para um açaí
parece uma constante da nossa geração:
estar à beira do abismo.
não sabemos abrir portas destrancadas,
mas conhecemos bem as saídas dos labirintos virtuais.
é nossa lei
a poética das impermanências.
bauman é autoajuda –
ouvi por aí –
clarice estaria azeda de raiva,
como hilda ficou em vida
(hoje amamos hilda e
achamos clarice esfingicamente popular).
fica: digo hoje,
que amanhã já não sei.
é aí que você ri das minhas pequenas paranoias
e resolve me perguntar:
– vamos tomar um açaí?