Quatro poemas de Pedro Parga
Pedro Parga é escritor de poemas, contos e textos acadêmicos. Professor, historiador e educador. Gay, Queer e militante do movimento LGBTQI+. Organizador do canal Catarse-se do facebook. Nerd viciado em jogos de tabuleiro. Ex-praticante de capoeira.
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InTRANSitivo
Amar
Verbo TRANSitivo
Quem ama amaria alguém!
Amaria a todos no discurso,
Mas TRANSita para o amar ninguém.
Se TRANSforma em inTRANSitivo.
InTRANSitivamente deixa de amar o TRANSeunte,
aquele que TRANSmigra entre supostos opostos,
entre linhas imaginárias TRANSmitidas do além.
O sujeito TRANSpira ódio oculto e TRANSgride a lei,
TRANSmitindo a raiva TRANSparente herdada de alguém.
O objeto objetificado pelo seu desejo oculto é TRANSfigurado.
Sobrevive o amor intransitivo criticado por ninguém.
*
Entre cirandas e quadrilhas
João amava Artur que amava Raimundo.
Ouviam sempre a todo segundo,
Ouviam a bendita frase:
“É só uma fase!”
Mário amava Joaquim,
ainda no armário, ouvia assim:
“Se não procria é errado”
“É pecado”
João foi para o Castro
Raimundo assassinado
Mário para o claustro.
Artur, suicídio.
Joaquim não deve nada a ninguém.
Viveu a vida de namorar,
Viveu a vida de bar.
Isa adorava Bel que também a amava
Ariel amava Raimunda,
Mas ela estava em dúvida.
Elas ouviam a sonata:
“Lésbica! Que coisa errada”
“Puta! Puta!”
“Precisam ser estuprada!”
Bel se apaixonou de novo.
Isa foi foi para foi para a Grécia
Raimunda abraçou a inércia.
Ariel estampada no “O povo”
Marcela não tinha entrado na história,
Casou-se com M.T.
Ouviam na rua e na TV:
“Isso sim é família! Glória! Glória!”
“Bela, recata e do lar”
Geraldo foi morar com Osvaldo,
Ricardo, com Júlio e Bernardo.
Casaram-se todos.
Amavam-se todos.
Cansaram todos de ouvir “veado”;
“Isso não é família! Pecado! Pecado!”
Fizeram um abaixo assinado.
Alguns foram assassinados.
Alguns sairiam corrido.
Outros espancados.
Até que alguns foram ouvidos.
Já podiam de papel passado.
Mas ainda ouviam a ladainha:
“Pervertido! Bichinha! Bichinha”
Tânia amava Isadora,
Joana casou com Elizandra.
Ouviam toda hora:
“Pare de mi mi! Para de drama”
Suas mães as queriam de véu.
Elas rasgaram o sutiã.
Ouviam toda manhã:
“Não vão para o céu!”
Fizeram ouvido de mercador!
Viveram mais de um amor.
Michele não tinha entrado na história,
Casou-se com J.B.
Ouviam na rua e na TV:
“Isso sim é família! Glória! Glória!”
“Mito! Mito!”
“Mas que casal bonito”
*
Partilha
Mãe transformada em documento,
Partilha, assinatura e testamento.
Inventário, advogada e provimento.
Honorário, concordata e provento.
Minha mãe sentimento?
A lei se importa por um momento?
E os sobreviventes sedentos,
notam só suas contas e vencimentos?
Mãe faturamento.
Mãe rendimento.
Mãe funerária.
Mãe capitalizada
Mãe provento.
Mãe ajuizada.
Os abutres em busca de sedimentos.
Flores, túmulos e sacramento
Lápide, cova, lei e emolumentos
Súmulas, dúvidas e redimentos.
Gosto da mãe sentimento,
Mãe memória,
Mãe lembranças e momentos,
Mãe muitas histórias.
*
Sem porto
Eu sempre fui terra e mar
Meu chão já era,
Agora vou velejar.
Minha mãe era touro,
Meu pai, um peixinho a nadar.
Perdi meu tesouro,
Agora vou desbravar.
Meu cais não pode mais me ancorar
Talvez seja hora de zarpar.
Meus pais eram como o vento e a vela,
Movendo ao se encontrar.
Agora, que ele está sem ela,
ele está à deriva sem hora para voltar.
Vou para o reino de Iemanjá.
Vou desaguar,
Vou sem terra para pisar.