Quatro poemas de Prisca Agustoni em espanhol e em português
Prisca Agustoni nasceu na Suíça, vive no Brasil. Escreve e se auto traduz em italiano, francês e português, tanto poesia quanto prosa (narrativa e ensaística). Trabalha como professora universitária e como tradutora. Publicou em 2020 o livro L’ora zero (Italia, Pordenonelegge-Lietocolle) e O mundo mutilado (São Paulo, Quelônio). Em 2021 sai no Chile seu livro Casa de los huesos (Ril Editores, trad. Antonio Nazzaro) com apoio da Fundação Suíça para a Cultura Pro Helvetia, e uma sua antologia de poesia na Argentina, pela Editora Nebliplateadas de Buenos Aires.
Os poemas abaixo integram o livro O mundo mutilado (São Paulo, Quelônio) e suas traduções para o espanhol foram feitas por María Gómez.
***
No saben que son ángeles
los ángeles que viven con nosotros en el campo:
acostumbrados a revolver la basura
conocen del estómago el hambre,
del músculo los calambres.
Sacuden las lenguas
como frutos caídos
podridos en el suelo, en la torre
de esa babel horizontal
aquí, donde el latín eslavo
lanza sus semillas
que florecen tardías
en el hígado del día
destilamos
nuestro alcohol
/
Não sabem que são anjos
os anjos que vivem conosco no campo:
acostumados a remexer no lixo
sabem do estômago a fome,
do músculo as câimbras.
Reviram as línguas
como frutos caídos
cariados no chão, na torre
dessa babel horizontal
aqui, onde o latim eslavo
estala suas sementes
que florescem tardias
e no fígado do dia
destilamos
nosso álcool
***
Los ángeles deambulan esquivos
en los alrededores de Idomeni
cargan otros espectros
la cara de los caídos
perdidos en la memoria
dando vueltas
en el limbo, en el campo
donde prófugos perpétuos
rondan en tierra de péndulos
mientras esperan
en fila
la vuelta del tiempo de los humanos.
/
Os anjos vagam esquivos
nos arredores de Idomeni:
carregam consigo outros espectros,
o rosto dos caídos
deitados na memória
juntos dão voltas
no limbo, no campo
onde prófugos perpétuos
rondam em terra de pêndulos
enquanto esperam
enfileirados
a volta do tempo dos humanos.
***
Somos una espécie que migra,
sin rastros ni restos en la memoria
del pueblo. Somos, apenas,
palabras en mutación, secretos
esos tres clavos en el peroné del esqueleto.
Un día la tormenta llega y nos golpea
en la ladera, donde lanzamos las flechas.
Animales duermen dentro del tiempo
mientras las madres cultivan huertas y facas.
Pronto surgen la lluvia y el miedo. Y volvemos
a la marcha, despejamos las nubes,
apenas um perro nos sigue, callado
compañero, rumbo al norte.
/
Somos uma espécie que migra,
sem rastros nem restos na memória
das gentes. Sombras, apenas,
palavras em mutação, segredos
esses três pregos na fíbula do esqueleto.
Um dia a tempestade chega e nos pega
na encosta, onde largamos as flechas.
Animais dormem dentro do tempo,
enquanto mães cultivam hortas e facas.
Logo surgem a chuva e o medo. E voltamos
à marcha, afastamos as nuvens,
apenas um cão nos segue, silente
paciente, rumo ao norte.
***
Implosionar la palabra
como edificio que se desmorona
de la nada,
ser el detonante de la caída
y después del humo
hacer de las ruinas
una casa nueva,
recoger las palabras
que restan
hospedar los fragmentos
de lenguas muertas
que todavía perduran
como deuda en la sangre
y vuelven
a ese gesto arcaico:
acariciar
a contrapelo
el lomo del dinosaurio
/
Implodir a fala
como prédio que desaba
do nada,
ser o estopim da queda
e após a fumaça
fazer das ruínas
uma nova casa,
catar as palavras
remanescentes,
hospedar os cacos
de línguas mortas
que todavia perduram
como dívida no sangue
e voltam
nesse gesto arcaico:
acariciar
a contrapelo
o dorso do dinossauro